terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Branco - Capitulo 3


Capitulo 3



A casa estava silenciosa novamente. Como será que seria viver assim? Acho que eu não me acostumaria a isso, ou talvez até apreciasse.
Pelo menos o meu pedido foi atendido. Me livrei dos meus irmãos por alguns dias, tudo bem que eu passei dormindo, mesmo assim, era bom não ter de ficar escutando os berros da Lilith nem os resmungos do Cris.
Desci até a sala. – Silêncio.
Na cozinha também. Será que ele saiu? Voltei pra sala.
Se eu estou sozinha então creio estar na hora de voltar pra casa. Suspirei de tristeza em deixar esse silêncio pra trás. Sim era muito fácil acostumar a essa quietude toda.
A sala ampla e clara estava com os spots do teto ligado, na lateral tinha uma grande porta de vidro, estava escurecendo lá fora. O vento levantou a cortina leve. A porta estava aberta.
Os meus pés caminharam pra fora. A noite praticamente já havia engolfado o dia, o céu estava quase todo escuro, a não ser por uma teimosa luminescência que ainda insistia em não ir embora.
Hora do crepúsculo.
Era a hora mais bonita do dia, quando o sol se despedia pra lua assumir o seu lugar como guardiã do céu.
Hora dos vampiros se levantarem.
— Tem de parar de ler esses livros Kyra. – Eu ri. Se algum vampiro bonitão aparecesse na minha frente era bem capaz de deixar ele beber o meu sangue. Ri da piada, afinal quem no mundo não quer encontrar um Eduard? Se bem que eu gostei mais do Emmet do filme.
A minha visão se acostumou a pouca claridade e então eu o vi dentro de ... uma Jacuzzi?
Por que será que isso não me impressionava?
Uma coruja passou voando baixo, precisei me abaixar pra não ser acertada por ela. O pio fez com que o Amon se virasse e me visse.
— Ei, já acordou? – A voz divertida dele chegou até mim.
— É. Parece que é só o que eu faço aqui. Acho que deve ter algum sonífero no ar, ou coisa parecida.
A risada dele encheu os meus ouvidos.
— Só tome cuidado com a Ingrid, ela é meio temperamental.
— Quem? – Olhei para os lados procurando o cachorro.
— Ingrid. É o nome da coruja.
— Você tem uma coruja como animal de estimação? – Olhei pra ele meio incrédula. Isso tá parecendo uma versão bizarra do Harry Potter, onde será que ele esconde a vassoura Nimbus 2000 dele?
— Não tenho uma coruja como animal de estimação. Ela é livre, só que costuma dormir sempre no telhado de casa. Acho que ela se sente meio proprietária e sempre cria caso quando alguém fica muito próximo. Coisas de coruja. – Ele deu os ombros como se a informação não fosse relevante.
Ele riu, sorri também. Era fácil estar perto dele. Nunca sorri tanto em um espaço tão curto. Se a vida era assim nesse mundo paralelo, eu não queria mais voltar pro antigo, aqui eu podia ser uma pessoa normal pra variar.
— Vem pra cá, a água tá quentinha. – Ele fez sinal pra que eu me aproximasse.
A coruja voltou a dar um rasante me obrigando a decidir. Fui pra hidro. Afinal eu podia acordar a qualquer momento desse sonho né, então por que não aproveitar?
Tirei a bermuda e a camiseta e entrei na água, realmente está quentinha, embolei o cabelo na nuca pra não molhar e fechei os olhos. O vento frio me fez afundar ainda mais na água. O silêncio era tão bom.
Quer dizer o quase silêncio, a sinfonia dos grilos estava a todo vapor, e de vez em quando a coruja, Ingrid dava os pios dela querendo participar da festa, isso juntando o sussurrar do vento e dos jatos da água, tirando isso tudo estava um silêncio absoluto.
— Você ainda está dolorida?
Hum estava tão bom o silêncio que acho que acabei cochilando, a pergunta me despertou.
— Um pouco.
— Queria entender porque a deixaram sozinha na piscina. – Eu via a ruga em sua testa, ele realmente parecia confuso.
— Sou a esquisita lembra? – Dei os ombros, não queria saber dos motivos, não me importava. Não queria ver o meu mundo alternativo se transformar no velho e insípido mundo real novamente.
— Mesmo assim, eu queria entender. – Ele balançou a cabeça e deu os ombros. Será que esquisitice pega?
— Vire-se!
— O que?
— Eu disse pra se virar.
Retiro o que eu disse, ele consegue ser mais esquisito do que eu.
— Por quê? – Olhei desconfiada, ele tem aquele olhar de confie-em-mim-não-vou-fazer-nada-de-estranho-contigo.
— Só se vira. Relaxa, não vou tirar nenhum pedaço seu.
Esse é o meu medo. Relaxar demais e depois despencar no mundo real.
Eu me virei muito desconfiada. Tudo bem ele é uma gracinha, todo bonzinho, cuidou de mim quando ninguém se preocupou, até fez o meu dever de casa, sem contar no trabalho que ele pesquisou e que conforme ele agora eu só vou precisar escrever, mas daí a relaxar enquanto ele está tão próximo assim. A hidro dele não é tão pequena, dá pra dar uma festa, só que de repente ficou muito pequena, ainda mais quando ele começou a se aproximar, eu acabei é me afastando, eu me sentia meio estranha perto dele as vezes.
— Relaxa garota. Vire-se, vou aproveitar a água quente e soltar os seus músculos, amanhã vai estar sem dores. – A voz dele parecia um suave sussurro.
Eu fui para o meio da hidro e me virei.
Droga, ele fez de novo!
Como é que ele faz isso? Basta ele dizer algo e pronto!
Por favor Deus que ele não tenha outras idéias.
— Você pode, por favor parar de fazer isso? – É preciso que esse garoto saiba a hora de parar com isso.
— Parar de fazer o que?
Juro que senti a confusão em sua voz. As mãos dele estão em meus ombros. Não havia percebido o quão grande elas são, eu podia senti-las, elas pousavam sobre os meus ombros inteiro.
— Me obrigar a fazer o que você quer.
Ele ficou em silêncio por longos três segundos. Quem cala consente, não é o que dizem?
— Eu não a obriguei a fazer nada. Só pedi pra que você se virasse. Mais nada.
Eu quase não sentia as mãos dele em meus ombros, o toque era tão suave que por muito pouco eu poderia estar imaginando isso.
— Não sei como você faz isso, mas faz. Só sei que quando você vem com essa voz macia pedindo algo não existe outra alternativa a não ser fazer o que você quer.
— Eu não faço isso. – Ele parece ofendido com isso.
— Qual é? Até parece que você nunca percebeu isso, se eu com sei lá, dois dias já notei quem dirá os outros que vivem grudados em você.
— É impressão sua. Nada mais.
— Tá, não vou discutir, só não faz mais isso, tá bom.
— Certo. Vou tentar não fazer seja lá o que você pensa que eu esteja fazendo.
Quase valia a pena estar inválida só pra receber a massagem dele. Apesar da água estar quente as mãos dele estavam meio frias, só que eram tão suaves que eu nem reparava nisso. Eu estava ficando mole, tipo uma gelatina.
Gelatina mais água quente, igual a derretendo.
Em nenhum momento ele avançou o sinal, acabei ficando apreensiva a toa. Será que ele fez algum curso de massagem? Ele parece um profissional. As mãos grandes dele massageou o meu pescoço, ombros, ele estava descendo pelos meus braços. Agora eu já estou derretida, será que nesse mundo alternativo eu podia derreter, tipo literalmente? Eu olhei pra baixo só pra ter certeza de que estava tudo no lugar, nunca se sabe.
— Fica de lado agora.
Eu me virei rápido e algo me pinicou.
— Ai, isso machuca. – Passei a mão pelo meu braço.
— Tá falando do que? – Ele tá me olhando como se eu fosse uma maluca.
— Disso! – Estendi o braço na frente dele. No meu braço tinha um vergão como se eu tivesse passado em algo e machucando. Eu olhei critica pra ele, mas ele não tinha nada, estava só de short, como é que acabei sendo arranhada?
Fiquei olhando pro meu braço sem entender.
— Será que você não arranhou na borda ao se virar? – Ele me olhou como se isso fosse a explicação lógica que eu não estava vendo.
— Com o braço esquerdo? Sem chance.
Ele começou a me olhar com aquela cara de que me acha louca, as vezes bem que eu acho que eu sou mesmo.
— Ai.
— O que foi? – A voz dele está traindo a paciência dele.
— Você me espetou. – O acusei.
— Eu te espetei? – Ele revirou os olhos como se agora eu tivesse realmente pirado, afinal como isso podia acontecer dentro da água? Só que realmente eu tinha sido espetada, tenho até a marca pra provar e a única coisa que me tocou foi o braço dele, só se... não isso era muita piração até pra mim. Como o braço dele pode ter me espetado? O braço não é composto de músculos e tecido? Teoricamente isso significa carne e carne não espeta ou espeta? Esse mundo alternativo está começando a ficar esquisito.
Eu peguei o braço dele e olhei, tinha de haver algo ali que estava me espetando, eu não podia ter pirado de uma hora pra outra, podia?
Ele levantou a sobrancelha como se eu tivesse pirado de vez.
No antebraço dele havia algo esquisito, uma cicatriz que eu não havia percebido que ia do cotovelo até quase o pulso. Que estranho eu não havia percebido isso, e a mesma cicatriz no outro braço. A água a deixava em evidência.
Passei os dedos por ela e adivinhe, ela me espetou.
— O que é isso? A sua cicatriz espeta.
— Que cicatriz? – Ele olhou pra mim como se eu tivesse surtado de vez.
— Essa em seu braço.
Ele olhou para os cortes escurecidos sem entender.
— Mas eu não tenho nenhuma cicatriz.
— Então como você explica isso? Não só tem uma como está me espetando.
Ele passou a mão pelo corte protuberante.
— Eu não sei, nunca havia reparado antes. – Ele olhou no outro braço e a mesma cicatriz fina e estranha estava lá. A falta de explicação o deixou agitado, ele começou a se auto-analisar, havia várias pelo corpo dele, nas panturrilhas e até nas costas.
Como ele pode ter esquecido disso?
Ficamos os dois mudos, eu olhando pra ele e ele olhando pra aquelas cicatrizes estranhas e ambos sem nenhuma explicação.
— Parece que tá crescendo.
Eu o olhava sem saber se ele falou isso com receio ou não. A cicatriz da perna estava ficando maior, continuava fina como um risco mas estava ficando cada vez maior e a do braço parecia que havia crescido como se houvesse se criado uma defesa contra o corte, ela avançava quase na grossura de um dedo pra fora do braço dele.
A borda irregular parecia que possuía espinhos.
— Olha a das costas e vê como está.
Ele se virou e a cicatriz na base da espinha dele era só um risco rosado, nada de crescer como as outras.
— Não está igual não, é só um risco. Posso ver? – Apontei pro braço dele, a minha massagem já era, esse mistério era muito mais interessante. Não havia muita luz para que eu pudesse olhar bem, a aparência era esquisita.
— O que foi? – Ele perguntou nervoso.
Havia apreensão no rosto dele, com certeza ele havia interpretado errado as minhas reações. Eu estava realmente confusa, se eu estava em um mundo paralelo então era perfeitamente normal que existissem coisas estranhas, se isso era um sonho também era normal as coisas ficarem além da imaginação, agora se eu estava no mundo real então era o Amon que não era desse mundo.
— O que foi, o que tem de errado? – Ele puxou o braço e começou a olhar.
— Amon você é um tritão. – Olhei séria pra ele enquanto falava.
Será que eu consigo um quarto com janela no manicômio? Se ele não me internar sou capaz de fazer isso eu mesma, tô meio cansada da piração dos últimos dias.
— Um o que? – Ele me olhou com aquela cara de que eu pirei de vez.
— Um tritão. Sabe como é, uma sereia. – Estou me convencendo de que pirei mesmo.
— Eu uma sereia, qual é? Rá, rá, rá. – Ele riu, não, gargalhou. — Uma sereia. – Ele balançava a cabeça com certeza me achando ainda mais louca por ter tido uma idéia dessa.
— Qual é, é perfeitamente capaz. – O que eu preciso fazer pra convencer ele?
— Garota, serias não existem, nunca existiram. – Ele olhou sério pra mim.
Bom isso é lógico, mas como explicar o inexplicável?
— Tudo bem é loucura, admito, mas vamos aos fatos... Você nada mais rápido que qualquer um.
— Eu treino muito mais que qualquer um pra fazer isso.
— Tudo bem, mas ainda tem o fato de você falar algo e a pessoa ter de fazer como se você a encantasse, como as sereias.
— Qual é. – Ele revirou os olhos.
— Além de que parece ter uma espécie de limbo na sua pele. – Devo ter feito uma cara muito obvia pra ele que começou a balançar a cabeça como se a idéia fosse totalmente insana. Concordo, é maluca.
— Sou alérgico ao cloro Einstein.
Essa teoria tinha muitas falhas, mas era a única explicação... por enquanto.
— Então como você explica isso? E isso? – Levantei o braço dele e apontei pras pernas. — A cicatriz em seu braço parece uma barbatana.
— Garota você tá pirando na batatinha. Eu uma sereia. – Ele balançou a cabeça como se aquilo fosse a coisa mais insana do mundo, bom na verdade é a coisa mais insana do mundo.
— Um tritão, as sereias são mulheres os homens são chamados de tritão. – O corrigi, não que isso fosse importante.
— Que seja. Se eu fosse isso mesmo não acha que eu teria uma cauda ou federia a peixe ou algo parecido?
Bom quanto a isso eu não tenho argumentos... por enquanto.
— Não sei. Posso pesquisar.
— Uma sereia. Rá.
— Tritão! O corrigi – de novo.
— Rá, Rá.
Essa batalha estava perdida mesmo, até eu não acreditava. Me prometi pesquisar mais sobre isso, pelo menos encontrar alguma pista sobre essas estranhas cicatrizes.
Amon estava sentado do lado oposto agora e examinava as cicatrizes, a essa distância pra mim parecia que elas estavam sumindo, pelo menos as do braço. Eu não conseguia tirar da cabeça que ele podia ser um tritão, isso explicaria tudo. A força dele, a rapidez e em como ele fez com que eu o respondesse mesmo não querendo isso, como as sereias das lendas que encantava os marinheiros só pra vê-los se afogarem.
Mas o Amon não era assim, ele não era malvado como as sereias, ou será que ele poderia ficar assim? A lógica me impelia a perguntar sobre os pais dele, se ele era um tritão então ou o pai ou a mãe dele era um peixe ou semi-peixe também. Era realmente muito estranho que ele não soubesse disso, afinal com tanta piscina na casa dele ele não teria visto se um dos pais dele tem as cicatrizes? Será que ele foi adotado?
Não pire Kyra!
— Amon.
Ele estava tão compenetrado olhando o braço que não me escutou chamá-lo.
— Amon! Tive de gritar pra ele me ouvir. Dessa vez ele levantou a cabeça, pelo menos me escutou.
— Escuta, pode ser piração minha essa coisa de Tritão, mas é meio lógico e também...
— Também o que?
— Bom se você é um semi-peixe então alguém mais da sua família também é.
Ele não me respondeu, voltou a olhar o braço.
Desista Kyra, talvez seja muita informação pra ele absorver. Não dizem que os atletas tem cérebro de passarinho, talvez seja o caso dele.
— Está sumindo.
Eu balancei a cabeça concordando. Daqui mal dava pra notar a cicatriz, apenas um risco rosado. Era incrível ela estava sumindo a olhos vistos, se eu não tivesse visto com os meus próprios olhos dificilmente acreditaria, não me espanta que ele nunca tenha notado, elas apareciam e desapareciam rapidamente.
A coruja começou a piar irritada.
Olhamos em direção à casa e uma sombra se movia ondulante, rapidamente um calafrio atravessou a minha espinha.
— Há a Amanda chegou, já estava ficando preocupado. – Ele sorria.
Nunca vi os olhos de alguém brilharem tanto. É parece que a minha teoria de mundo alternativo precisava ser revista, afinal se fosse um mundo bizarro então talvez seria possível que eu tivesse a chance com um dos anjos da escola, não é mesmo?
A sombra parecia uma serpente a caminho da jacuzzi, exatamente como eu sempre a imaginei.
Menos Kyra. Menos.
A garota pode ser legal, você nunca deu uma chance de conhecê-la melhor, essa é a sua oportunidade. Além do mais ela pode ser o que quiser, ela é popular, a rainha da escola e você não.
Ainda bem que eu estou há uma boa distância do Amon, não quero dar a impressão errada. Tá ele é um gato, gostoso, fofo, educado, lindo, atencioso, meigo, meio pancada, mas ainda assim é o meu anjo na terra, há sim e além disso tudo ainda é um tritão.
— Oi amor, tava ficando preocupado. – Ele saiu da piscina indo em direção à ela.
Posso sentir daqui todo o açúcar escorrer pelas palavras dele. A coruja parece não gostar muito dela, não parava de piar histérica, o que não a impedia de continuar a andar lenta e ondulantemente.
Eu estava me sentindo como que apanhada em um delito grave, com a diferença que eu não havia feito nada de mais a não ser acordar em uma casa estranha com um gato nela, e é claro ambos sozinhos, e agora a namorada perfeita dele estava há alguns passos de distância. Seria uma boa hora acordar agora, ou voltar pro mundo real.
Amanda, sem sombra de dúvida é a garota mais bonita da escola, isso se não for de Austral inteira. A sua beleza chega a ser surreal. Sempre acreditei que as pessoas não devem ser tão bonitas assim. Tudo bem ter uma beleza normal, mas ela extrapola a normalidade. A pele dela parece ser feita de creme de tão perfeita, os cabelos, mesmo a luz da lua eles brilham como se estivesse exposto ao sol, a garota brilha mesmo no escuro. O que é uma terrível injustiça para o restante da humanidade. Todas perto dela ficam parecendo a gata borralheira e sem direito a príncipe encantado.
Linda, loura e de olhos azuis, e se isso tudo não bastasse a garota ainda tinha covinhas quando ria. Definitivamente eu não podia ser mais sem atrativo e nesse exato momento eu estava me sentindo como uma alga, insípida e sem graça, não, como uma ameba, completamente dispensável e invisível. É impossível competir com tanta perfeição. Essa garota não era real, ela extrapolava a tabela do bom senso.
— Vejo que a sua hóspede já acordou. – A voz dela goteja raiva.
Amon se aproximou para beijá-la.
Não gostei do tom dela. Tudo bem eu estava na casa do namorado dela, mas não foi por decisão minha, tenho certeza de que ela o conhece muito bem pra saber disso. Eu também não estava feliz, tá certo, estou um pouco, o silêncio aqui é inacreditável, mesmo com o corpo todo dolorido eu estou tão relaxada de uma forma que nunca estive antes.
— Olá.
Precisamos ser educados e um cumprimento amigável pode tirar esse ar de poucos amigos dela.
— Não vai entrar, a água está quentinha como você gosta. – Ele perguntou todo sorridente.
Hum então ele aqueceu a água pra ela, e eu achando que era o gosto dele. Despenquei vertiginosamente pra terra agora. Estava flutuando muito alto. Saí completamente da realidade, devo ter despencado no mundo real, finalmente. Mais alguns minutos e eu posso jurar que vou virar abobora.
— Hoje não, está meio cheio aí dentro, e também acabei de lavar o cabelo. – Ela se virou pra ele enquanto mexia no cabelo dela.
Essa é a minha deixa pra eu me mandar. Acho que vou ganhar uma carona pra casa agora, o Cris vai ficar babando o resto do ano se me ver chegar em casa com a “Diva” do colégio. Todos os garotos são loucos por ela.
— Que tal um suco? Vou preparar pra você.
Então isso era namorar? Não é a toa que eu vivo sozinha. O cara está praticamente quicando em volta dela. Hum Amon você perdeu uns pontos em meu conceito agora. Ele está todo gentil e ela com a cara azeda.
— Tudo bem, só não vou me demorar. Só vim ver como estavam as coisas por aqui. – O olhar dela dizia muito, e essa foi pra mim, sem dúvida. Será que ela estava pensando que eu estava com a intenção de seduzir ele? Sim estava, porque seria exatamente isso que ela faria se estivesse em meu lugar.
— Vou pegar e já volto. Quer também? – Ele perguntou todo educado.
— Não obrigada. – Tive de recusar tamanha gentileza, melhor era evitar qualquer situação de stress enquanto ela estivesse com essa cara de poucos amigos.
Outro beijo nela e ele saiu todo serelepe.
Ela sentou como uma rainha na cadeira. Eu é que não ia começar a falar.
— Então garota, quando é que você pensa em dar o fora daqui? Se não percebeu ele é o Meu Namorado!
Difícil não perceber isso.
— Vou assim que conseguir falar com o meu primo, ele passou por aqui mais cedo, mas eu estava dormindo, estou aguardando ele voltar. – respondi muito mais educada do que ela está sendo.
— Acho bom mesmo você cair fora o mais rápido possível, ou posso transformar a sua vida em um inferno. – Ela não sorria mais. O Amon estava voltando o que me impediu de dar uma resposta malcriada pra ela. Ele bem que merecia alguém melhor do que ela.
Cobra!
— Amor tem certeza de que não quer entrar na água? – Ele voltou rapidinho com um copo de suco que ela nem ligou, colocou em cima da mesa indiferente.
Tive pena dele, com certeza ele gostava dela e ela, bom, ela estava com ele como troféu infelizmente pra ele.
— Tenho sim. A sua amiga estava me dizendo que ela está tentando falar com o primo dela pra que ele venha buscá-la. – Ela olhou séria pra ele.
Nada como ser direta.
— Ele passou aqui mais cedo, mas ela estava ferrada no sono, acordou há pouco, quase que eu tive de chamar um médico, ela dormiu dois dias seguidos.
— Que bom que você está melhor. – Ela me lançou aquele olhar de é-melhor-que-seja-só-isso- mesmo.
Aquiescei com a cabeça, ela não esperava resposta mesmo, esse é o problema das perguntas retóricas.
— Você não tem um namorado pra vir te buscar? – Ela insistiu.
Pelo visto ela quer que eu saia o mais rápido daqui.
— Eu...
— Ela tem sim, não parava de falar nele. É Cedric não é? – Amon respondeu antes que eu conseguisse encontrar as palavras.
— Cedric? Quem é esse? – Os dois olharam pra mim.
Grande Kyra você e a sua grande boca.
— É só um cara da escola. – Dei os ombros rezando pra que eles mudassem de assunto.
— Será que o conhecemos?
De repente ela ficou muito interessada. Eu posso jurar que vi um estranho brilho em seu olhar e esse brilho não era de alegria não.
— Duvido, ele não é popular. – Disse ao levantar, esse era um assunto que eu preferia que continuasse a ser um segredo, a minha paixonite por ele.
— Eu vou tentar falar com o meu primo novamente. – Disse ao sair mais que apressada de lá, deixei os dois arrulhando. Não queria bancar a vela pra eles e muito menos ter a minha insípida vida devastada pela curiosidade da “Diva” do colégio. Não queria que a minha paixonite platônica fosse de domínio público. Detestaria ser o alvo das especulações.

— O que será que está acontecendo em casa que ninguém atende ao telefone? – Era a sexta fez que eu tentava e nada. Irritada tentei a casa do Lance.
Tum... tum... tum...
— Alô.
— Tia Violeta? É a Kyra tudo bem? O Lance está?
Tia Violeta conseguia ser mais chata que a Lilith às vezes, tomara que ela esteja em um bom dia hoje.
— Olá Kyra, não ele saiu... posso ajudar em algo?
— Saiu, mas... mas ele demora? – Minha voz saiu mais desesperada o que eu gostaria, Tia Violeta odeia sentimentalismos. Droga eu não previ que ele podia querer sair. É sábado à noite sua tonta! Só você é que fica em casa sozinha.
— Você está bem?
Tia Violeta mostrando preocupação, é definitivamente fui transportada pra algum mundo alternativo.
— Sim tia, é que eu queria uma carona... é que eu estou na casa de um conhecido e como tá tarde... – A minha voz mais parecia um lamento, fiquei quieta antes que falasse demais.
— Há sim, você está na casa dos Oceanic’s, Lance comentou algo. Você devia ser mais prudente Kyra. – A voz da Tia Violeta está carregada de repreensão.
Como assim mais prudente? O que ele falou? Isso é ótimo. Já não bastava eu ficar na boca pequena da escola, agora estou no da minha família também? A essa altura toda Austral deve saber que eu estou aqui, os buchichos devem estar grandes.
— Tia, por acaso sabe se aconteceu algo lá em casa, ninguém atende ao telefone. – Os meus dedos já estavam brancos ao segurar o telefone.
— Parece que o seu pai ganhou uma viagem e eles foram com a Petúnia... acho que foram na quarta-feira, sua mãe comentou algo, não tenho muita certeza pra onde iam. A sua mãe estava animada.
Que ótimo isso! Meus pais fora da cidade com certeza a Lilith e o Cris tinham caído no mundo também.
— Hum, tia, será que dá pra perguntar pro Lance se ele pode vir me buscar? Quando ele chegar é claro. — Completei rápido, pra não parecer que eu estava ansiosa demais.
— Claro Kyra, claro.
— Obrigada Tia, beijos. — Agora eu estava deprimida.
Foi como se o mundo terminasse de desabar de vez na minha cabeça. Devo ter ficado muito tempo olhando o telefone desligado ou não estava acostumada com pessoas se movendo silenciosamente, me assustei com uma mão em meu ombro.
— Você está bem? – A preocupação está visível na voz dele.
— Claro, por que não estaria? Vão vir me buscar, deixei recado. – Tentei o meu melhor sorriso.
Ele aquiesceu com a cabeça, a essa altura não me espantaria em nada se ele já soubesse de tudo, aliás, algo me dizia que ele já sabia isso antes de mim.
— Vou pedir uma pizza, você quer?
O telefone parecia ser a coisa mais interessante pra ele nesse momento. Lembrei da perfeita namorada dele lá fora.
— Melhor não. Acho que vou começar aquele trabalho que você falou. — Escorreguei pra fora do banco me afastando como o diabo foge da cruz. Não queria encrenca com a namorada dele, muito menos com ele. Alguém tão gentil como ele não merecia isso, mesmo ele não sendo tão humano assim.


Uma mão em minha cintura me acordou.
— O quê?
Amon estava dormindo e em seu sono ele acabou me abraçando. Definitivamente esse era o quarto dele, acho que eu sempre soube. Meus olhos estão tão pesados que depois eu perguntaria a ele sobre isso, fechei os olhos mergulhando na inconsciência do sono novamente.
Quando finalmente despertei pensei que ainda estava sonhando, porque eu me sentia totalmente abraçada por um grande corpo masculino. Abraçada é pouco. Alem de estar sendo agarrada pela cintura, tem uma perna dentre as minhas. Então, com certeza não foi um sonho, o meu príncipe dos mares realmente me abraçou durante o sono.
Precisei de algum contorcionismo pra me livrar do abraço sem que ele acordasse. Ele se mexeu e abraçou o travesseiro que eu havia usado. Peguei o meu dever e desci para a cozinha, já que eu havia acordado cedo o melhor a fazer é terminar logo.
Quando o Amon acordou o dever já estava todo pronto e estava tirando a quiche de legumes do forno. Vai que ele é meio peixe mesmo, não quero ser acusada de comer sem saber algum meio parente dele.
— Bom dia.
A voz rouca de sono dele me dizia que ele ainda não havia acordado de todo.
— Bom dia dorminhoco.
— Humm, bom dia. O que você está fazendo? — Ele passou a mão pelo rosto enquanto bocejava. Ele se sentou na banqueta e ficou me olhando colocar a forma fumegante em cima do balcão.
— Quiche de legumes. Pro almoço. – Sorri pra cara de sono dele.
— Tá cedo pra almoçar.
Ele se levantou foi até o balcão, abriu uma gaveta, pegou um garfo e voltou a se sentar. Antes que eu processasse a intenção dele, ele espetou a quiche e tirou um bocado fumegante de torta e colocou tudo dentro da boca.
— Ei isso tá quente! Não pode esperar eu cortar e colocar no prato? — Tive vontade de esganar ele.
— Hum tá bom. To faminto. – Ele falou com a boca cheia.
Cortei um pedaço generoso e deslizei o prato pra ele.
— Ninguém atende a campainha nessa casa não? – Lance entrou sorrindo na cozinha.
Quase derreti ao ver o meu primo em pé na minha frente.
— Você não tocou, entrou direto. Garota isso tá muito bom. – Amon resmungou, antes de se voltar pra quiche novamente.
— Pelo cheiro parece bom, também quero. – Lance se sentou de olho na quiche.
Deslizei um pedaço pro Lance e me servi, antes que o Amon comesse tudo sozinho. Nunca me senti tão em casa em um lugar estranho como aqui.

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