terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Branco - Capitulo 4


Capitulo 4



Eu estava muito fula da vida. Não! Eu estava possessa. Era realmente ridículo que eu tivesse de ir a pé pra casa todos os dias simplesmente porque os meus irmãos eram uns bestas completos.
E lá estava eu novamente furiosa, tentando desviar de toda a lama, e ainda fugir do alcance dos esguichos de água cada vez que uma roda assassina encontrava uma poça de água enlameada. Claro que seria pedir muito chegar seca em casa? Não, não seria. Evidente que não custaria nada se o Cris se dignasse em me dar uma carona, mas não. Eu tinha de ter o irmão mais egoísta e idiota de todo o colégio. E o mais absurdo é que ele se acha. Pode isso? Ele se acha um cara bonito. Eu poso afirmar categoricamente que ele não é bonito, talvez se você for muito generoso ele possa ficar passável. Claro que nem ele é louco o bastante pra se comparar com o Amon ou o Cedric, eles com certeza extrapolam essa categoria, era muito mais que bonitos. Suas belezas tão diferentes como o dia da noite, eles são lindos. Não, fantásticos, mais do que isso, era como se o próprio Deus tivesse intercedido em favor deles. Eram como anjos na terra. Os dois caras, mas lindos do colégio. Meus anjos. Claro que ninguém sabia disso. Imagine, eu tenho alguma propriedade sobre aqueles seres fantásticos, o anjo loiro e o anjo moreno.
Sploshhh.
— Merda! A rua é sua seu babaca? Por que não olha por onde...
Sploshhh.
Outro banho de lama.
—... anda.
Que porcaria. Todo dia era assim. Todo dia essa humilhação e tudo por que o Cris se recusava a me levar pra casa. Por que ele se importaria? Minha própria mãe se recusava a me dar o dinheiro para o ônibus, isso sem contar com o almoço. Nem sempre eu conseguia fazer um sanduiche pra trazer. O pior mesmo era chegar em casa horas depois de todos e ainda escutar bronca por coisas que eu nem tinha culpa.
— Hei valeu, deve haver alguma parte de mim ainda seca hoje.
Mais três carros passaram em alta velocidade, jogando toda a água empoçada da rua em cima de mim.


— Isso são horas de chegar em casa? – A minha adorável mãe estava começando a dar o seu piti diário. Claro que não perdi tempo respondendo, isso só iria fazer com que ela me mandasse pro quarto e me diria que eu ia ficar sem o jantar. Detalhe, eu era a única daquela casa que não tinha um quarto. Eu dormia na sala por que nenhum dos meus amados irmãos; leia-se Lilith, Cris e Petúnia, – queriam dividir o quarto comigo. Então eu durmo na sala. Se bem que hoje é o dia do Show do Gable, um siticom estúpido que a minha família adora. Se eu for mandada pro meu quarto isso significa que eu posso ir dormir (finalmente) cedo hoje. Claro que não falei nada. Absolutamente nenhuma palavra, só passei por ela a caminho do banheiro que fica na parte superior da casa.
— Por que raios você está coberta de lama? – A voz dela subiu dois oitavos, e o seu olhar fuzilante dizia mais do que eu queria escutar nesse momento.
Eu parei no segundo degrau da escada. Juro por Deus que eu contei até quase cem antes dela me fazer outra pergunta. Todo dia era a mesma coisa, uma espécie de feitiço do tempo, um Deja Vu estúpido, claro que sem a parte do final feliz.
Kyra Elizabeth Thompson! Onde raios você andou? – A voz dela ficou esganiçada.
Juro por tudo o que é mais sagrado que eu realmente não queria responder a minha mãe, mas o que eu ia fazer? Mentir? Ela sabia da verdade, então por que todo esse drama? Eu me virei calmamente, afinal ela é a minha mãe. Tudo bem que ela é insensível, egoísta e não esconde de ninguém que gostaria que eu fosse diferente, algo mais parecido com os meus outros irmãos insensíveis, mas ainda assim é a minha mãe né? Devo a ela pelo menos algum respeito, afinal ela me deu a vida.
— Apenas os seis quilômetros da escola pra cá. – Pronto! Falei.
— Você veio andando da escola pra cá? – A voz dela deve ter suplantado a escala agora.
Fala sério, será que eu perdi alguma coisa? Quem é essa mulher no corpo da minha mãe? Alôôô!
— Como todos os dias. – Respondi tentando manter a calma.
Tá bom qual é a piada? Realmente eu não estou entendendo o porquê de todo esse circo.
— Como assim todos os dias? O que aconteceu com o ônibus da escola? Ou as caronas com o seu irmão?
Agora eu tinha certeza, ela estava pilhando da minha cara. Ônibus do colégio? Carona com o Cris? Ela tava de gozação.
— Mãe, a senhora está bem?
— Sim estou e você não me respondeu o que eu perguntei Kyra.
Uff. Bufei. Depois dessa eu me sentei na escada, seja lá o que esteja acontecendo ia demorar e a roupa enlameada estava começando a pesar. Comecei a tirar as botas sujas. Pacientemente comecei a falar, não que eu fosse dizer algo que ela não soubesse, eu realmente estava cansada disso tudo.
— Mãe, o ônibus não é pago há anos e o Cris se recusa a me dar uma carona, então tenho de ir e voltar a pé da escola todos os dias.
As minhas meias que até esta manhã eram brancas agora estavam marrons, ia ser difícil limpar isso. Eu realmente tentei ignorar o olhar de espanto da minha mãe, acho que ela deve estar sofrendo de perda de memória, quem sabe eu não consiga plantar a idéia na cabeça da Petúnia de que seria bom se ela visitasse um médico, só por via das dúvidas.
— Estou muito relapsa com você Kyra. Vá tirar essas roupas enlameadas.
A teoria do mundo alternativo ainda está valendo pelo visto.


— Kyra o que está fazendo em pé tão cedo?
Que ótimo, logo cedo e já começa o interrogatório.
— Preparando o almoço mãe. — Quando é que eu iria acordar desse pesadelo?
— E por que não almoça na escola como todo mundo?
Fechei a porta do armário. Isso não estava acontecendo. Será que o meu pedido por paz e tranqüilidade havia transformado o mundo no maior caos?
— Qual é a piada? Você nunca me dá o dinheiro pra almoço, muito menos pro ônibus. Todos nessa casa fazem questão de transformar a minha vida o mais miserável possível. — Depois dessa eu ia ter de passar a dormir no quintal, será que as barracas ainda estão no sótão?
— Que barulheira é essa? — Lilith veio berrando pra cozinha, a cretina estava com a minha blusa. A minha blusa nova, que eu ganhei no Natal e que por acaso sumiu misteriosamente. Eu tinha certeza que ela havia pegado, e a cretina negou quando eu perguntei.
— Você destruiu a minha blusa! Que merda Lilith, era a minha única blusa. — Eu estava com tanta raiva, mas tanta raiva que a minha vontade era a de agarrar ela pelos cabelos e socar a cabeça dela contra a mesa até ela jurar nunca mais chegar perto de mim novamente.
Ela me olhava como seu eu fosse a errada, claro como sempre! Não adiantava brigar, eu sempre fui a minoria. Joguei a embalagem de pão na pia. Hoje eu ia ficar sem almoço. Já estava atrasada pra aula. Sai antes que eu acabasse expulsa de casa por brigar com a piranha da minha irmã.
Lilith Marrie o que faz com a blusa da sua irmã? E você Kyra Elizabeth trate de se sentar e tomar o café da manhã com calma vou levar você hoje pra escola.
— Vai o que? — Lilith e eu falamos juntas. Não era só eu que estava espantada com essa súbita mudança da minha mãe. Ela nunca nos leva pra escola, muito menos briga com a Lilith.
A teoria do mundo paralelo tá mais forte do que nunca. Fiquei parada aguardando, esse mundo bizarro para o qual me transportaram era muito estranho.
— Lilith vá tirar a blusa da sua irmã e se eu ver você usando algo que não seja seu vai se entender comigo.
— E eu tenho culpa se ela deixa as roupas dela no meio das minhas? – Ela ainda tentava se safar colocando a culpa em mim.
Cara-de-pau! Como ela podia mentir com a cara mais lavada do mundo? Cínica
Grrr. Agora eu estava rosnando pra ela.
— Para com o teatro! Você a pegou, e foi a última vez. Não me interessa os motivos que essa sua mente torta lhe deu, se pegar algo meu novamente, que seja um papel velho. Vai se arrepender porque eu vou quebrar a sua cara!
— Ai que meda!
A raiva que já estava fervendo começou a entrar em ebulição a medida que ela gargalhava.
— Quieta as duas! Lilith, por que você está ainda parada que não foi tirar a blusa? Kyra já mandei você se sentar e tomar o seu café da manhã.
— Mas...
— Lilith nem mais um pio e não me faça ir até aí tirar essa blusa.
Ela saiu batendo os pés. A casa tremeu com a batida da porta do quarto dela, se tinha alguém ainda dormindo acabou de acordar depois dessa.
— As suas botas estão molhadas, vão cheirar mal se as usar.
Dei os ombros não tinha outra mesmo.
— Por que não usa algo mais leve, elas parecem ser tão pesadas e quentes.
E eram mesmo, são botas de inverno, as usar em pleno verão é um saco ainda mais molhadas.
— Mãe, sabe perfeitamente que não tenho outra.
Ela ficou me olhando como se me visse pela primeira vez depois de muito, muito tempo.
— Tem aulas muito importantes hoje?
Tentativa de um diálogo? Essa era nova pra mim.
— Nada de mais.
— Vou me trocar e então saímos está bem?
— Certo. — Se ela queria bancar a mãe generosa eu é que não ia reclamar, ia ser bom mesmo chegar seca pra variar e não precisar me trocar antes da aula.
Hoje que eu tinha tempo para o café da manhã tinha perdido a fome.
Fiz o sanduíche duplo pro almoço, o embalei e coloquei na mochila. Tinha mais de uma hora pra chegar na escola. A espera ia ser longa, aproveitei pra terminar a redação que tinha de entregar amanhã.

— Kyra, coloque o cinto.
— Eu já estou de cinto mãe. — Era a primeira coisa que eu fazia quando eu entrava no carro da minha mãe, o Ford antigo dela não inspirava muita segurança e também a minha mãe não era assim nenhuma motorista tão boa, pra falar a verdade ela é meio barbeira. Andar de carro com ela é uma experiência meio atemorizante.
— Pegou tudo? — Ela olhou pra mim e a minha mochila.
— Tudo. — Essa versão boazinha da minha mãe tá começando a dar nos nervos.
— Essa sua calça está manchada, não quer trocar, temos tempo ainda.
— Não precisa mãe, a outra está molhada, só me resta essa mesmo.
Ela me olhou tentando descobrir algo que eu não tinha a menor idéia do que fosse.
— O que foi?
— Está falando sério? Você está sem roupas e sapatos?
— Mãe, no mês passado eu pedi uma calça lembra, só que em vez de dar pra mim você comprou pra Lilith. — Ela só balançou a cabeça e saiu cantando os pneus.
Liguei o rádio, estava em uma estação que só toca hip hop, fui trocar.
— Deixa aí, eu gosto dessa estação.
A minha mãe curtindo hip hop? Eu realmente desconheço essa mulher que está no corpo da minha mãe.
— Mãe, a escola fica pro outro lado.
— Eu sei você precisa de roupas novas.
Fala sério? Ela disse isso mesmo o que eu ouvi? De que eu preciso de roupas novas?
CARACA.
Vou ganhar roupas novas, eba.
Será que eu devo ficar menos animada? Ou mais animada?
Alguém bem que podia me explicar as regras desse mundo alternativo ou pelo menos me dar o manual básico de sobrevivência. Acho que eu devo estar sorrindo igual a uma boba agora.
— Er, mãe, acabou de passar pela entrada. — Disse ao olhar o estacionamento da maior loja de departamentos de Austral ficar para trás. Agora ela teria de dar uma volta enorme e eu bem sabia que ela detestava isso, eu ia acabar com o ouvido ardendo de tanta reclamação.
— Que entrada? — Ela estava meio aérea, será que tinha pegado algum vírus nessa viagem que ela ganhou? Desde que ela voltou estava estranha. Tudo estava estranho depois desse final de semana.
— A da loja de departamentos.
— Não vamos pra lá.
Não? Como assim não vamos pra lá? Ai não, será que vou ganhar roupas compradas no Austral Big Supermercados? Não, ele fica do outro lado, então só resta..
Oh-oh.
O Exército da Salvação!
Droga, droga, porcaria. Eu sabia, era bom demais pra ser verdade. Não acredito que ela vai até lá buscar roupas pra mim...
— Ande Kyra, não temos a manhã toda.
—Hã. Onde estamos? — Aqui não é o Exército da Salvação. Tem muitas árvores e carros chiques parado.
— Gueb! Quer roupas novas ou não?
— Estamos na Gueb? — Fala sério! A loja mais maneira de roupas da cidade. A loja onde dez entre dez populares compram roupas e euzinha estou aqui?
A minha mãe já havia descido e estava quase entrando na loja enquanto eu fico parada igual a uma jacu. Desembolei o cindo e desci correndo, quase vou de cara no asfalto, a minha bota prendeu na porta. Bati a porta do carro e entrei correndo na loja atrás da minha mãe que já estava falando com uma vendedora.
Quais será as minhas chances de ganhar duas calças, um sapato e uma blusa nova?
Pelo preço da loja vou ficar feliz se ganhar um jeans novo e um sapato.
— Kyra, onde esteve?
— Aqui mesmo.
A minha mãe não gosta muito que a chamemos de mãe em público, ela diz que não é tão velha assim pra ter filhos tão grandes. Comecei a fuçar pela loja, espero que a mãe esteja paciente hoje, ia ser difícil escolher uma calça no meio de tantos modelos diferentes.
— Kyra!
— Aqui! — Só levantei a mão, estava concentrada olhando as blusas em uma arara.
Fui arrastada pela minha impaciente mãe até um provador, a vendedora toda sorridente jogou um monte de roupas em meus braços e fechou a cortina. Olhei pra tudo aquilo, devia ter umas dez calças e umas vinte blusas – pelo menos.

— Mãe é sério, não precisa comprar tudo isso, fico mais que feliz com umas duas calças e outro sapato.
— Tudo bem, só experimente.
Era o quarto par de botas que eu experimentava.
— Qual você gostou?
— Da marrom. — Confortável, resistente, ela tinha cara de que ia durar um bocado, apesar de eu ter gostado de todas, mas não devemos exagerar com a generosidade alheia.
— Ela vai levar a marrom e as duas pretas.
Ops, três? O que eu fiz pra merecer? Droga, se a Lilith ver tudo isso ela vai confiscar tudo.
— Mãe, escuta, é legal isso que a senhora tá fazendo, eu realmente tô precisando, mas não precisa comprar tudo isso não. — Como é que eu vou fazer entender que se ela comprar tudo isso quem vai acabar usando é a minha irmã e não eu?
— Tudo bem Kyra, pense como um presente de aniversário antecipado.
— Mãe é sério.
— Você não quer?
— Quero, mas...
— Mas o quê?
Merda!
— A Lilith vai acabar confiscando boa parte disso e quando eu finalmente conseguir pegar de volta vai estar tudo destruído como a minha blusa dessa manhã. — Claro graças a ela usar dois números a mais que eu.
— Não se preocupe com isso. — Ela me deu tapinhas em minha bochecha.
— Tá vou tentar.

— Eu lhe pego na saída da aula.
Eu olhei o carro se afastar, carona pra casa. Legal.
Não pensei mais nisso. Quem sabe eu não acabava gostando desse mundo paralelo. Ganhei um guarda-roupa novo, carona pra escola. Balancei a cabeça e corri pra aula, já estava atrasada.
Passei o dia inteiro com a cabeça longe, o professor Gomes me chamou a atenção três vezes na aula, eu queria saber o que estava acontecendo. Fui pro estacionamento sem muita esperança na minha carona, a fila estava grande de carros parados, o Ford desbotado da minha mãe estava lá, parado no meio da fila. Fui andando calmamente até lá, a Lilith estava parada ao lado do carro tagarelando algo em seu inseparável celular.
— Oi mãe. — Disse ao me acomodar no banco e colocar o cinto.
— Que fila hein?
— É o trânsito é meio complicado na saída.
— Acho que é melhor você ficar com o carro, ao invés de eu vir buscá-la todos os dias.
Olhei pra ela séria.
— Tá falando sério?
— Sim, se você não se importar de levar a Petúnia junto.
— Claro isso se ela não se importar de ir comigo, o pessoal tem certa implicância comigo.
— Não vão mais ter. Todos respeitam quem está motorizado.
Uau, isso é sério?
— Você sabe dirigir não sabe?
Sorri pra ela.
— É claro mãe.
— Então está bem. Você fica com o carro e dá carona pra Petúnia.
— Quem fica com o carro? — Lilith colocou a cabeça pra dentro do carro.
— A Kyra, vou deixar o carro com ela.
— Ei eu sou a mais velha, deveria ficar com ele já que você o está passando pra frente. — Ela entrou no banco de trás com cara de poucos amigos.
— Você não ia querer esse carro Lilith, eu te conheço muito bem. Você é a pessoa mais fútil da face da terra. — Minha mãe deu um olhar sossega-leão pelo espelho retrovisor.
— E daí? Eu ia gostar de ter um carro só meu pra variar.
— Tudo bem, eu deixo o carro com você, com a condição de você voltar a dividir o quarto com a Kyra.
— Corta essa, nem pensar.
— Então o carro fica com a Kyra e não se fala mais nisso.
O trânsito estava lento, o lamento irritante da Lilith no banco de trás era uma distração. A minha mãe está certa, não existe ninguém mais fútil que a Lilith na face da Terra.
Quem diria, eu motorizada. Um guarda-roupa novo, um carro, o que mais falta acontecer? Só o Cedric começar a falar comigo.
Minha mãe meteu a mão na buzina, ela não estava com muita paciência pro desfile no estacionamento.
— Ei Kyra será que você pode me encontrar mais tarde? Olá senhora.
— Isso é alguma piada? — Cedric o garoto mais fantástico do colégio está debruçado na minha janela e falando comigo? Certo, estou em um mundo paralelo, agora eu acredito.
— Estamos no mesmo grupo de história e eu tenho de viajar nos próximos dias e como temos de entregar um trabalho na semana que vem será que você se importa de fazermos isso hoje? Pode ser na minha casa ou na sua, tanto faz.
Eu fiquei olhando pra ele sem conseguir articular nada, a minha mandíbula conseguiu ficar congelada.
— Não estamos em grupo nenhum. Eu me lembraria. — Isso é alguma piada? Será que resolveram fazer uma pegadinha com a minha cara?
— Foi escolhido na semana passada, você não veio na aula. Então? Na minha ou na sua casa? Se você quiser eu te dou uma carona depois.
— Pode ir benzinho, liga que eu vou lhe buscar. — Os olhos da minha mãe estavam brilhando, quem não ficaria assim diante do anjo noturno do colégio. Respirei fundo e saí do carro. Essa era a segunda vez que ele falava comigo. O carro dele estava há poucos metros de distância, entrei muda, a minha cabeça fervilhava de perguntas não formuladas, ele segurava um sorriso, parecia estar se divertindo com tudo isso.
— Por que isso agora?
— Por que o que? — Ele me olhou confuso.
— Você nunca fala comigo e pelo que eu saiba eu não estou no seu grupo, então por que esse teatro?
— Nossa a garota é arisca, você morde também? — Ele me olhava sorrindo por cima do capô do caríssimo carro dele.
— Uff.
Não sei como, mas ele conseguiu sair da confusão do congestionamento antes de todo mundo. Ele dirige mais rápido que o Amon, será que uma premissa básica do cromossomo Y, ser ensandecido?
— Quer diminuir? Quero chegar viva em casa. — Comecei a olhar as minhas unhas, o vulto na janela estava me enjoando.
— Achei que gostasse de velocidade.
— Não, ela me deixa enjoada. — Eu tentava me lembrar de como era respirar.
— Vou me lembrar disso futuramente.
Futuramente? Será que ele ia começar a conversar comigo agora?
— Como foi o seu final de semana? — Ele tentava conversar, era estranho, o olhar dele começou a me dar arrepios.
— Bom.
— Soube que você teve um acidente na piscina semana passada.
Pombas será que a escola inteira ia me azucrinar por conta disso.
— É, eu exagerei no treino.
Ele aquiesceu, depois disso o silêncio ficou estranho.
Queria perguntar sobre o final de semana dele. Será que ele tem namorada? Nunca o vi com nenhuma menina. Será que ele gosta de pipoca com filmes de terror como o Amon? Sorri ao me lembrar dele.
— Olha só, o meu trabalho está quase pronto, acho que não tem muito o que fazer, se você quiser coloco o seu nome.
O Amon fez toda a pesquisa pra mim mesmo, eu só tenho de terminar de escrever.
— Eu também já estou com o meu praticamente pronto, só estou sendo gentil em fazer você participar. — A voz dele perdeu todo o calor de minutos atrás, agora soava ríspida, quanta diferença com o meu amigo peixe dourado, fiquei com vontade de mostrar a língua a ele e dizer umas boas.
— OK, ok. — Melhor não discutir.
Relaxa Kyra e aproveita os seus minutos com ele, talvez não tenha outra chance, se bem que ele estava começando a me dar nos nervos. O que era pra ser perfeito estava me saindo uma catástrofe ambulante. Continuei a olhar pras minhas unhas, acho que seria bom se eu começasse a andar com uma lixa de unha na mochila, minha vida social-acadêmica estava bem movimentada ultimamente.
— Ei, já não te disse pra ir devagar? — Ele fez uma curva tão rápida que eu só não saí rolando pelo carro porque estava com o cinto de segurança muito bem afivelado.
Ele estava com um ar zangado. Pronto o que foi agora? Se ele queria se matar que fizesse sozinho eu não estava a fim de ir junto não.
— Se você não diminuir essa porcaria eu salto desse carro! — Ele me olhou fuzilando como se eu é que estivesse errada, só que eu não estava de brincadeira. Ele diminuiu um pouco a velocidade, pelo menos passou a dirigir mais comedidamente apesar de ainda estar muito rápido.
Luz e Trevas...
Amon era a Luz, a alegria despreocupada enquanto ele parece as Trevas, o ar soturno dele me lembrava madrugadas frias. Balancei a cabeça, a cada dia que passava os meus anjos ficavam ainda mais distantes um do outro.
Já tínhamos saído da rodovia agora ele fez uma curva rápida na avenida o sinal fechou e ele pisou no freio. Eu realmente gosto desse esquisito, mas até eu tinha os meus limites. Aproveitei o sinal fechado e enquanto soltava o cinto abri a porta deslizando pra fora, estava bem perto de casa mesmo ia chegar rapidinho.
A minha saída do carro deve tê-lo pego desprevenido, porque quando ele percebeu, eu já estava fora do carro, o que não o impediu de sair também e agarrar o meu braço sem nenhuma consideração.
— O que pensa que está fazendo?
— Eu avisei se quer se matar faça sozinho, não comigo! — Dei um safanão e ele largou o meu braço aturdido.
— Você é louca? — Ele estava com os olhos arregalados como se eu houvesse falado algo de absurdo a ele.
— Não entrei em seu carro? — Saí lhe dando as costas.
Mais uma gracinha daquelas e eu iria transferir a minha obsessão pro Amon, pelo menos pra ele eu tinha uma desculpa, – minha gratidão eterna.
O som de rodas estrepitante no asfalto me fez virar a cabeça. Cedric jogou o carro em cima da calçada me impedindo de continuar a andar, o olhar dele estava inumano de tão furioso.
Há Amon que saudades do seu jeito doce e saudável de ser.
Quanto mais furioso ele olhava pra mim eu lançava o meu olhar mais entediante, claro que isso o enfurecia ainda mais. Era um joguinho que eu aprendi, eu deixava a pessoa tão irritada mais tão irritada que ela engolia o que queria me dizer e ia embora assim eu continuava a fazer o que havia planejado. Sempre funcionava!
E ele estava muito irritado, não tenho idéia do porque, mas estava e eu o estava deixando ainda mais a ponto dele ter de controlar a respiração.
— Entre no carro, por favor.
Bom se ele pedia por favor... dei a volta e abri a porta.
— Se fizer qualquer gracinha já sabe eu vou e não volto! — Nem me dei ao trabalho de colocar o cinto, era mais fácil se tivesse de sair do carro. Ele fechou os olhos e deve ter contado até dez, não reparei comecei a olhar pela janela escura fechada.
— Não vou pedir desculpas... — Ele começou arrogante de novo.
— Corta esse discurso, quem tem um problema aqui é você e não eu, então se controle ou eu vou embora e você vai ter de se virar sozinho. Fui clara?
Ele me olhou com aquela cara de espanto de novo, nunca o vi tão branco, a pele chegava a ser translúcida. Voltei a olhar pela janela, ele ligou o carro e após descer da calçada o carro começou a rodar em uma velocidade normal pra variar. O silêncio imperava absoluto, ele não falava nada e eu também não, nenhum dos dois dava o braço a torcer. Não era a minha culpa ele ter aquele acesso de piti dele, só dei por mim que eu não sabia onde estava quando saímos das ruas da cidade. Pensei em perguntar só que sou muito teimosa pra isso, a única coisa que eu pensava que era um pouco longe pra andar se eu tivesse de voltar sozinha, então comecei a me lembrar da prova de matemática, com certeza tinha me saído mal, matemática nunca foi o meu forte mesmo. Tinha de pegar o meu CD do Linkin Park com o Bruce antes que ele achasse que era dele de novo, da última vez ele deu o meu CD pra Lilith tive o maior trabalho pra pegar de volta. As árvores pareciam árvores pela janela, fazia um bom tempo que eu não vinha aos bosques, quem sabe agora eu não vinha mais pra cá, ia ter mais tempo.
Pra passar o tempo comecei a fazer listas do que tinha de fazer.
Primeiro a dos trabalhos tinha dois pra terminar ainda, mas tinha umas três semanas de prazo, até o final da semana daria pra terminá-los.
Lista das pesquisas... pesquisar sobre os renascentistas pra aula de história, precisava fazer a professora parar de pegar no meu pé, por isso tinha de ter a matéria na ponta da língua, já ia me esquecendo a pesquisa pro Amon. Que estranho, as árvores começaram a se transformar em um borrão, dessa vez fui eu quem contou até dez.
— Diminua! — Eu não olhei pra ele, ou era capaz de eu dar um ataque de piti. Ele continuou a acelerar a minha raiva começou a entrar em ebulição, quem aquele cara pensava que era?
— DIMINUA! — Eu estou muito furiosa, em vez de diminuir ele acelerou ainda mais, eu não pensei simplesmente fiz. Pisei no freio e o carro engasgou descontrolado. Ele rosnou furioso, os dedos dele estavam tão brancos que era um milagre o volante estar inteiro ainda.
O carro começou a derrapar pela estrada vazia, com muito custo ele conseguiu controlar até parar atravessado no meio da pista. Ele ofegava, eu abri a porta dele.
— SAIA! — Ele ficou me olhando como se eu fosse uma demente completa, devo ser, estou literalmente expulsando ele do próprio carro.
— AGORA! — Eu o empurrei pela porta aberta, parecia que eu estava empurrando uma parede de concreto, quando ele saiu do banco eu o assumi fechando a porta e colocando o cinto de segurança. Abri a porta do carona pra ele. Ele ficou parado como um ás de espadas no meio do asfalto tentando se decidir de arrancava a minha cabeça ou não naquele instante.
— Vai entrar primeiro ou me matar? Não tenho o dia inteiro. — Aquilo o tirou do transe e ele entrou resmungando algo que eu não entendi. Dei meia volta no carro e retornei em uma velocidade normal agora pelo caminho que viemos, ele não me disse uma palavra. Como eu não queria saber de conversa liguei o rádio, o som da música da Britney Spears encheu o carro. Sei que os garotos a acham gostosa, só não curtem muito a música, deixei aí de propósito, pela ruga na testa dele eu sabia que a tortura pra ele ia ser grande, só de provocação comecei a cantar com a minha voz esganiçada. Ele flexionou a têmpora.
Bem feito que você tenha uma bela dor de cabeça.
Ele suspirou olhando as árvores que passavam lentas pela janela.
Após uma dezena de músicas da Britney e Cia chegamos em minha casa, desci calmamente.
Se ele queria fazer o trabalho que eu assumisse o controle e o fizesse em um terreno neutro. O carro da minha mãe não estava na garagem, ela devia ter ido visitar a tia Angelic, toda quarta-feira ela dava uma passada na casa dela, isso significava que eu ainda tinha pelo menos umas duas horas, tempo mais que suficiente pra que eu terminasse com esse fatídico trabalho e dispensasse o bonitão.
E por falar nisso ele é meio lento no entendimento, fui obrigada a bancar o cavalheiro e abrir a porta ou ele não desceria daquele carro, não que desse vontade de sair dele, o carro era realmente uma maravilha, mas o trabalho nos espera.
— É mais fácil fazer o trabalho em uma mesa não concorda? — Deixei a porta aberta do carro dele e fui abrir a porta de casa, se ele fosse inteligente assumiria a direção do carro dele e desapareceria, eu com certeza teria feito isso, ao passar pela porta vi que ele estava atrás de mim, é teria de terminar esse trabalho.
Uma hora e meia de absoluto silêncio e de muito escrever o fatídico trabalho estava pronto e ele continuava irritado. Cheguei a fazer pipoca e ele nem tocou, muito menos no suco, aí desisti de ser educada.
Ele estava saindo com as folhas escritas, com certeza ia passar tudo a limpo.
Eu bem que tinha uma lista interminável de perguntas a fazer e estava tão ou mais irritada do que ele. Ele parou na porta e se virou o seu olhar após muitas horas estava mais normal sem toda aquela irritação.
— Não sou uma pessoa paciente, perco a calma com muita facilidade, eu... boa noite!
Uau! Será que isso foi uma tentativa de um pedido de desculpas?
“Sem sangue, sem crime”[1] — Eu disse apaziguando, seja lá o que houvesse acontecido mais cedo. Ele começou a balançar a cabeça e por fim um arremedo de sorriso apareceu em seu rosto, aos poucos foi se ampliando e de repente ele estava rindo, não gargalhando.
— Eu deveria saber... todas querem ser ela não é?
— Ela? Ela quem? — Do que esse garoto está falando agora?
Bella[2]! Todas querem o seu vampiro particular. — Ele parecia se divertir com isso.
— Sem essa! É só uma história. Nada a ver. — Eu tratei de cortar o barato dele antes que começasse a me enquadrar na categoria das deslumbradas pelo Pattinson.
— E todas não querem um como é o nome dele mesmo? — Ele sorria cínico, ele sabia exatamente quem era o personagem, assim como eu, mas não iria falar.
— Não generalize, muitas querem o ator não o vampiro, quem é que iria querer um namorado vampiro? Só uma louca mesmo.... se bem que a Bella não bate muito bem... talvez o Jake... Balancei a cabeça, ele não ia fazer eu embarcar nessa loucura. Ele só ria.
— Isso até descobrir que o cara de quem você está apaixonada É um vampiro, aí você mudava de idéia.
— Não, essa coisa de trevas não é pra mim, gosto do sol.
— O que e perder a oportunidade única de virar purpurina? — Agora ele realmente gargalhava.
— Pelo menos ia economizar um bocado em Glitter pros trabalhos da escola.
Ele riu mais ainda.
— Como se um morto pudesse brilhar assim.
— Quando eu morrer eu te aviso.
Ele parou de sorrir e me olhou sério. Ops, será que eu disse algo errado?
— Boa noite Bella Cullen! — Ele falou e saiu.
— Sou Kyra e não Bella! — Bati a porta com vontade, garoto estúpido! Tinha de estragar tudo. E o que deu em mim de ficar citando frase do livro da SM[3]? Merda, merda, porcaria. Agora nunca vou saber se ele tem alguma namorada.



[1]         N. A. - Trecho do livro O Crepúsculo da autora Stephenie Meyer, quando Eduard o vampiro vai ao hospital ver como Bella está após o acidente do quase atropelamento com a van do Tyler.
[2]         N. A. – Heroína do livro Crepúsculo da autora Stephenie Meyer
[3]         N. A. - Stephenie Meyer, autora da série o crepúsculo.

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