Branco
Prólogo
Meu nome é Kyra
Thompson e ao contrário do que a primeira vista a minha história possa causar,
tenho de dizer que eu não me considero uma pessoa derrotada, cordata, aliás,
nunca o fui. O que me move a fazer algo tão extremista assim é apenas o meu
desespero por liberdade. No momento o meu “hall” de opções está
seriamente comprometido. Estou lutando contra o destino, contra todas as
apostas. Sim estou fugindo, mas será que você também não o faria se estivesse
em meu lugar? Será que não estaria tão absurdamente desesperada também se
soubesse que você é apenas uma coisa a ser caçada por um monstro cínico, frio e
cruel? Essa é a minha sina! E tudo por que acabei no lugar errado e
principalmente na hora errada?
O lugar; Austral,
pequena cidade portuária, cortada pelo rio Branco, encravada no meio das
montanhas Vermelhas. População 53.803 pessoas e caindo, graças ao expressivo
número de mortes não explicadas. Claro que não explicadas para a polícia e
imprensa que fazia plantão em frente da delegacia. Éramos notícia até mesmo em
outras cidades, só que eu sabia quem era o responsável por aquilo, claro que
não naquela época, mas o sei agora.
A pessoa mais
terrível, capaz dos atos mais atrozes que já existiu. Isso se puder chamá-lo de
uma pessoa. Ele é implacável, um caçador frio e cruel. Cedric cuja beleza é
mortal para quem cruza o seu caminho. Cedric capaz de fazer uma lenda tornar-se
realidade. Cedric o vampiro.
A hora errada,
duas semanas atrás. Sem querer eu descobri o seu terrível segredo, infelizmente
tenho hábitos deveras solitários, gosto de caminhar às vezes pra pensar por
entre o bosque que circunda a cidade, normalmente são os meus únicos momentos
de paz do dia. Em um desses passeios o vi conversando com um andarilho, a
beleza dele era surreal, só de olhá-lo eu perdia o fôlego. Sempre me perguntei
como era possível ele ser tão bonito e tão indiferente a essa beleza. Não ouvi
o que ele conversava com o homem, naquele momento me perguntava como ele tinha
coragem de falar com ele, o homem estava vestindo roupas sujas e rasgadas,
estava descalço, até que ambos entraram no bosque às margens da rodovia,
segui-os. A minha curiosidade sempre foi o meu maior defeito, e também eu não
ia perder a oportunidade de olhar pra ele: o objeto da minha obsessão. Com o
coração aos pulos os segui com certa distância, não os escutava, mas os via por
entre as árvores, então vi algo que me enojou profundamente, aquele homem sujo
estava tocando nele. Ele passava a mão suja pelo seu rosto perfeito, e ele
sorria. Aquilo me embrulhou o estômago, claro que depois disso eu deveria ter
ido embora, mas eu fiquei... O meu maior erro! Os dois conversavam, ele se
aproximou e parecia que ia beijar aquele homem asqueroso. Aquilo eu não tinha
estomago pra ver, virei o rosto tentando decidir o que fazer, quando olhei de
novo o homem se debatia, como que tentando se soltar, não entendi muito bem o
que estava acontecendo, até vê-lo soltar o corpo sem vida do homem no chão. A
sua boca perfeita estava manchada de vermelho, algo dentro de mim sabia que
aquela mancha era sangue. Sufoquei o grito que ameaçava querer sair da minha
boca. Se aquele homem estava realmente morto, eu era o que? Uma testemunha?
Naquele instante vi que eu estava seriamente enrolada. Respirei lentamente
tentando me acalmar, quando olhei de novo o Cedric havia sumido, não o via em
nenhum lugar. Esperei ainda uns minutos, só por precaução, como ele não voltou
fui ver o corpo caído. Maldita curiosidade. O homem estava realmente morto, de
seu olhar vidrado eu via o pavor que ele havia sentido – que eu estou sentido.
Em meio à sujeira da pele e o sangue misturado com as folhas havia uma ferida
enorme em seu pescoço, sua garganta completamente estraçalhada. Meu estômago
começou a querer expulsar o almoço, não podia mais olhar pra aquilo, saí
correndo, meio sem direção através do bosque. Precisava me afastar, pegar o meu
carro na rodovia e fugir o mais rápido possível, antes que fosse descoberta.
Cedric me
esperava encostado em uma árvore, ele sabia que eu o estava observando, ele
sempre soube. Foi então que a minha vida passou a valer nada.
Vou lhes contar
como tudo aconteceu...
Capitulo 1
Tragicamente é o
primeiro dia de aula. Odeio a primeira semana, ainda mais o fatídico primeiro
dia de aula. É frustrante e ridículo ter de se encaixar em grupos que você não
sabe se terá afinidade algum dia. Pior ainda é ter de se obrigar a forçar uma
amizade com pessoas que você terá de tolerar por muito tempo.
Eu
verdadeiramente odeio o primeiro dia de aula.
O destino podia
ter sido generoso comigo e ter me dado uma bela gripe essa manhã. O que
adiantou ficar na chuva ontem e ainda tomar um monte de sorvete se hoje estou
perfeitamente capaz de ir ao meu fuzilamento no primeiro dia de aula.
Eu devia ter
prestado mais atenção nas aulas de saúde no ano passado, quem sabe eu não podia
fingir ter alguma doença agora. Cobri o rosto querendo que o tempo desse um
salto e me livrasse do martírio.
Escorreguei do
sofá caindo no chão. — É eu durmo no sofá. Uma daquelas ironias da vida. Moro
em uma casa com cinco quartos, tenho três irmãos e durmo na sala. Meus pais
vivem brigando então eles dormem em quartos separados, os meus irmãos, bom,
eles não querem saber de dividir o espaço comigo, então acabei na sala, é isso
ou o sótão. Eu bem que tentei colocar uma cama lá, mas o teto é tão baixo que
eu teria de tirar as telhas pra me deitar no colchão e dormir no quintal está
fora de cogitação. O único problema de dormir no sofá é que com isso eu acabo
dormindo pouco, porque sempre tem um da minha família que quer ficar até tarde
vendo algum programa estúpido, e o pior fica empoleirado no sofá me impedindo
de dormir.
— Ai, droga.
Comecei bem o dia.
Pela cortina
rendada a claridade do sol mostrava a sua cara. Era uma luz suave, cremosa e
quente. O dia parecia perfeito, então isso provavelmente quer dizer que logo,
logo irá começar os problemas...
Me arrastei do
chão até a cozinha. Todos ainda dormiam. Hora de preparar o almoço pra escola.
Dormir no sofá
não é nada, o pior mesmo é ter de ir a pé todos os dias pra escola, a minha
adorável mãe nunca se lembra de pagar o ônibus, dinheiro pro almoço então... A
minha sorte é que eu sempre acordo primeiro ou não ia levar nada de almoço
nunca. Algo interessante sobre meus irmãos é que se eles percebem que você está
com fome é aí que eles “devoram” tudo o que está na mesa mesmo, se
brincar são capazes de comer até a mesa.
Meus pés faziam spreesh,
spreesh no caminho coberto de brita que me levava para frente do colégio.
— Primeiro dia
de aula. Primeiro dia de aula. Você pode superar isso é só ir em frente. Não
existe nada de pior do que isso. Vou sobreviver, vou sobreviver. Só preciso
achar algum conhecido e rir de tudo isso. – Eu ia resmungando como um mantra.
Um grupo de
garotos passou correndo em direção ao estacionamento, excitadíssimos. Será que
alguém apareceu com um carro cor-de-rosa? Curiosa olhei pra trás e caí na
risada. As “VIP'S” do colégio, também conhecidas como “AS DIVAS”
chegaram de limusine. Devem ter pagado uma nota, pelo que eu saiba não existem
limusines em Austral. Nessa cidade não tem nada.
— Patético! - Continuei a
andar em direção a entrada. Via as ondas de alunos se acotovelando em frente
aos painéis dos avisos com o informe colados em forma de milhares de folhas.
Algum computador idiota determinou quem vai ser meus colegas esse ano.
Mudei a mochila
de ombro, a minha bota deixava o meu caminhar mais lento, era quase como se eu
estivesse andando sobre a areia fofa da praia - quase; a realidade
impedia qualquer ilusão.
A frente do
colégio estava tomada.
— Vai ser
difícil achar algum conhecido. É bom se enturmar Kyra ou vai ser complicada a
sua passagem pelo ensino médio. – Murmurei suspirando. Ficar parada não vai
adiantar nada mesmo. Se já não bastasse eu estar me sentindo como um
alienígena. Isso é um mau sinal, principalmente no primeiro dia de aula.
Até que não foi
difícil atravessar os vinte metros que me separa da escada até as listas. Só
precisei de uns quinhentos com licença, uns trezentos desculpe e
uns cinqüenta sai da frente. É foi bem fácil.
Olhei três vezes
a lista interminável de alunos da Escola Municipal Tereza Sain't Austral. – É
não sei o que tinham na cabeça quando escolheram esse nome.
— Finalmente uma
alma conhecida. -
Ao me virar vi minha mais fiel amiga se aproximar.
— Hey Suzy! –
Acenei veemente pra ela. Ela ficou roxa e virou o rosto. Olhei pros lados
preocupada.
— Uê o que eu
fiz de errado? -
Como ela vinha em minha direção aguardei. Seja o que for, íamos rir muito
depois, sempre fazemos isso.
— Não! Ele não
fez isso.
A Suzy está de
papo com a Lauren? Isso é novidade.
— Juro Lauren, o
Julian apareceu de limusine no meu hotel. Foi tão romântico. - A Susan virou
os olhos. Sorri ao ver os olhos da minha amiga brilhando.
Seja-lá-quem-for-esse-Julian eu tinha certeza absoluta de que esse episódio a
derreteu completamente, ela sempre foi fã de Uma Linda Mulher mesmo.
Ela estava
diferente, ok, ok, ela não precisava exagerar e usar quinhentos quilos de
maquiagem e poderia usar uma saia que tampasse pelo menos a bunda dela. Mas,
sou obrigada a reconhecer que a minha amiga está bonita. Se ficar apaixonada
deixava as pessoas mais bonitas então eu precisava desesperadamente disso. Se
bem que ela acabar como amiga da Lauren era estranho. A garota sempre foi uma
esnobe. Suzy era a primeira a falar disso e agora as duas conversavam como se
fossem amigas a vida inteira.
Esperei que ela
se aproximasse mais, se bem que eu podia vê-las perfeitamente daqui. Parece que
a viagem a praia da Suzy foi realmente excitante, pela quantidade de gestos e
suspiros proferidos por ela. Eu sorri. Essa era a Suzy, sempre dramática, com
certeza eu ia escutar durante muito tempo sobre isso. Não havia percebido o
quanto havia sentido falta disso.
— Oi Suzy. – A
cumprimentei animada.
— Deveríamos
marcar de sair os quatro juntos, vai ser divertido. – Laurie era a própria
empolgação em pessoa.
— Vai ser ótimo,
vou ligar pro Julian. – A Suzy se voltou para o celular novo dela.
Eu fiquei
olhando as duas passarem por mim como se eu fosse invisível. A Suzy sequer me
olhou, continuou a conversar com a sua “nova” amiga e se contorceu toda
pra ao passar por mim e dar as costas enquanto tirava o celular da bolsa. É
realmente as férias a havia mudado. Até a alguns meses atrás ela sequer
cogitava a idéia de ter um celular e agora exibia um último-tipo-fashion-todo-cintilante.
— Aquela não é a
sua amiga? – Laurie não ia deixar essa passar. Claro que ela não teria falado
nada se eu não estivesse parado no meio do corredor olhando as duas se afastar,
o que é pior de boca aberta. Comecei bem o ano.
— Quem? – A Suzy
olhou pra trás procurando indiferente sem desgrudar do seu novo celular-último-tipo-fashion-todo-cintilante
da orelha.
— A aberração
estranha.
Por mais que ela
tenha tentado falar baixo, foi alto o suficiente até pra que eu escutasse. Eu e
boa parte do colégio, que olhou procurando quem seria o próximo “bicho raro”
a ser perseguido naquele ano.
Meleca.
— Não conheço.
Ai ele atendeu... Oi amor...
Nesse exato
instante estou me sentindo como Cristo ao ser negado por Pedro. A decepção dói
e dói muito.
Voltei pras
listas com os nomes, as palavras da Suzy dispersava a minha atenção. Precisei
olhar umas cinco vezes pra entender que o meu nome não constava na relação.
— Mais essa
agora.
A boa notícia
era que havia muitos na mesma situação que eu. Nada como marcar o primeiro dia
de aula com uma passadinha na secretaria pra já começar com o pé direito.
Discutindo sobre o porquê do meu nome não constar na relação de alunos.
— Preencham os
formulários de admissão e em seguida o horário. Devem voltar na semana que vem
pra ajustarem o horário. – A secretária Helga Sampaio em vias de se aposentar
devido à infinidade de cabelos brancos dela mal disfarçados pela tintura
distribuía vários formulários a quem entrasse na já abarrotada secretária. O
espaço que não era tão pequeno estava completamente tomado por estudantes com
cara de poucos amigos. Quem não estaria em nosso lugar? Fui pro fundo da sala
onde as poucas cadeiras existentes eram disputadas quase aos tapas. Tive sorte,
uma garota se levantou assim que eu me aproximei. É uma lástima as cadeiras
serem simples sem aqueles braços, ia ser bem útil agora. Espero não terminar
com a folha toda furada por estar apoiando na mochila pra escrever.
— Beleza vai
levar o resto do dia pra terminar isso.
Sem outra opção,
comecei pela ficha de admissão que por acaso já havia preenchido antes quando
confirmei a minha matricula. Só quatro folhas entupidas de perguntas. Só não
perguntaram qual é a marca do meu creme dental, por que o resto com certeza
eles devastaram a minha vida.
Com o horário
das aulas não foi diferente. Milhões de códigos diferentes para a mesma matéria
e todos no mesmo horário. Quando eu fechava um dia no outro bagunçava tudo.
— Porcaria! –
Apaguei pela quinta vez a minha tentativa de fazer o meu horário, se
continuasse assim iria precisar do resto do semestre pra terminar.
— Perdoe-me o
inconveniente de estar lhe interrompendo, todavia poderia emprestar-me uma
caneta, a minha creio que a tinta esvaneceu.
A voz grave me distraiu,
ao ponto de eu levantar a cabeça pra que eu visse o rosto de quem pertencia
essa voz que fala de um modo tão estranho.
— Como é? –
Jesus-Maria-José! Por Deus Kyra, fecha a boca e não babe! Deus meu. De onde
saiu esse? Ele lembra aqueles deuses que estudei na aula de história, de onde
eles eram mesmo? Olímpia? Olympus, Olimpo é isso. Quem será que abriu o portão
de lá e deixou essa gracinha vir passar uma temporada no colégio secundário em
Austral? Com toda a certeza ele é novo, uma novidade dessa não passa
despercebida. O garoto é simplesmente fe-no-me-nal. Caraca, como pode alguém
ser tão bonito assim? Seus olhos escuros parecem hipnotizar, não consigo parar
de olhar. Por Deus que eu não esteja babando, não quero pagar esse gorila. De
que cor será que seus olhos são? Não dá pra saber.
— Caneta. Teria
a senhorita uma caneta pra me emprestar?
Este ser
incrível me olhava, sério. Bom acho que não totalmente, mas eu posso jurar que
seus olhos estão sorrindo zombeteiros, divertidos como se soubesse da confusão
em meu cérebro. Agora tenho a certeza de que ele sabe perfeitamente o impacto
que causa nas pessoas.
O que foi que
ele perguntou mesmo? Nunca em toda a minha vida isso me aconteceu, eu ficar tão
impressionada com alguém a ponto de perder a fala/raciocínio/ação, – você me
entendeu.
O estranho
levantou a sobrancelha aguardando o meu cérebro de minhoca que deve ter virado
gelatina, por que a minha vontade era a de passar a mão pelo cabelo brilhante
dele só pra sentir se é tão macio quanto aparentava. É frustrante isso. Todo
mundo tem um cabelo brilhante e perfeito, devo ser a única no mundo que possui
o cabelo opaco, murcho e sem vida. O rosto dele é simplesmente perfeito, lembra
aquelas fotos das revistas onde aparece algum modelo incrível fazendo propaganda
de perfume, se aqui fosse Hollywood ele com certeza seria um ator famoso.
É preciso uma
força sobre humana pra impedir que o meu braço levantasse e eu deslizasse os
meus dedos pelas linhas perfeitas de seu rosto, que eu afundasse esses mesmos
dedos por seu cabelo grosso, que eu acariciasse seus lábios voluptuosos.
Respirei fundo
três vezes tentando não parecer com uma descontrolada que sai agarrando o
primeiro garoto bonito, ou melhor, lindo que vê pela frente.
O estranho deu
um profundo suspiro, estamos tão próximos um do outro que o ar expelido por ele
bate direto em meu rosto. O seu hálito fresco e doce, o cheiro delicioso dele,
algo como uma mistura exótica de couro. Uma garota pode ficar tonta com um
cheiro desse, eu com certeza estava.
Hum, ele está
sorrindo, é com certeza é muito fácil perder o fôlego diante de um sorriso
desses. O que ele havia me perguntado mesmo? Tentei me lembrar, mas tudo o que
consegui foi continuar a olhar pra ele.
— Com isso devo
entender que não irá me emprestar à caneta?
Caneta? Que
caneta?
Ops, então era
por isso que ele estava me olhando.
— Claro. –
Imagine se eu iria recusar algo a ele.
— Desculpe-me. –
Ele falou meio confuso ao se levantar. Antes que eu pensasse, agarrei a mão
dele o impedindo de sair.
— Não quer mais
a caneta? – Deus ele deve estar me achando uma demente, também não fiz outra
coisa a não ser ficar babando até agora.
— Agradeço
muitíssimo.
Ele é lindo, mas
fala esquisito.
Coloquei as
folhas por entre os meus dentes pra que não ficassem ainda mais amassadas do
que já estavam e enfiei a mão por entre o zíper parcialmente aberto da mochila.
Com certeza ia encontrar alguma solta ali dentro.
— Aqui está! –
Estendi três canetas pra ele. Uma Bic cristal preta, outra azul e uma outra
cor-de-rosa cheira de figurinhas da Hello Kitty, que por acaso também
tem a tinta azul. Ele pegou a preta me brindando com outro irresistível
sorriso.
Respirei fundo
ao jogar as outras canetas na mochila novamente, ia ser difícil voltar ao
bendito questionário, quando tudo o que eu mais queria era ficar olhando pra
aquele estranho que por uma sorte divina estava sentado ao meu lado – em
silêncio.
— Muitíssimo
obrigado.
O Deus grego me
sorria? Espere! Como ele já terminou? Eu mal respondi, sei lá, três perguntas,
e ele já terminou?
— Já terminou de
responder tudo? – Ele riu. Jesus, ele fica ainda mais lindo rindo.
— Praticamente
já havia terminado quando a minha caneta esvaneceu.
— Esvaneceu? –
Acho que eu falei algo engraçado, porque ele riu novamente.
— Acabou a
tinta.
— Devia sorrir
sempre.
— Devia? – Ele
levantou uma sobrancelha, o seu olhar inquiria para que eu explicasse e ao
mesmo tempo havia um fogo e um mistério tão profundo que incendiava seus olhos
escuros. O seu olhar estava devastando os meus sentidos como nunca havia sido
feito. As minhas mãos ficaram congeladas e pingava suor, ao mesmo tempo o meu
coração batia mais rápido que a asa de um beija-flor a minha pele estava
completamente arrepiada. Até respirar estava difícil, tenho medo de fazer isso
muito forte e ele desaparecer, e eu acabar por descobrir que a minha imaginação
saiu completamente fora do controle. Ele estava causando sensações
contraditórias em mim. Ao mesmo tempo em que eu estava derretendo eu estava
assustada.
Eu
definitivamente estou fora de controle. Precisava falar algo antes que eu
fizesse a besteira de agarrar ele no meio da metade do colégio e acabar sendo
acusada de assédio. Será que existe assédio entre alunos? Eu não me importaria
de ser assediada por ele.
— Hum, você é
novo aqui, não? Não me lembro de ter te visto antes. – Com certeza eu me
lembraria de alguém como ele. Sim definitivamente eu me lembraria. Ele é do
tipo irresistível, e o seu rosto é marcado com ferro quente diretamente dentro
do cérebro. Definitivamente, impossível de esquecer.
Ai Jesus, ele
está sorrindo novamente. Até as covinhas dele sorriem. Se eu fosse um sorvete
estaria completamente derretida agora. O garoto é quente! Deus que eu não
esteja babando. Por favor, por favor.
— Meu primeiro
dia!
— Chato né! Não
estresse, metade da escola está nesta sala hoje, o bom é que você conhece um
monte de gente logo de cara. – Eu devo ser uma tonta mesmo, não paro de sorrir
e pra completar o estou monopolizando completamente.
A porta se abriu
e eu vi a Susan entrar.
— Desculpe às
vezes eu não paro de falar.
Ele fez aquele
olhar de ela-é-maluca, assentiu com a cabeça e se levantou a sala continuava
cheia, mas a cadeira ao meu lado permaneceu vazia.
Sou a estranha
da vez. Com um suspiro voltei minha atenção pro formulário em meu colo, e não para
o que estavam fazendo comigo, é praticamente impossível. Ser estranha em uma
escola com mais de mil alunos é o mesmo que ser jogada em plena Times Square
usando biquíni durante uma nevasca, todos te olham, mas ninguém se aproxima.
— Merda! – Agora
eu sou um pária, estava com vontade de distribuir socos e pontapés, só que...
do que isso adiantaria? Nada a não ser piorar ainda mais e posso até acabar com
uma bela detenção ou então suspensão por brigar no primeiro dia de aula, é
ainda pior porque vou ter de enfrentar o olhar reprovador dos meus pais na sala
da diretoria. Levar um longo e construtivo sermão sobre o olhar de
espere-pra-ver-o-que-te-espera-em-casa dos meus pais.
Deus a minha
vida definitivamente não tinha como piorar.
— Juro Lauren,
os pais do Julian tem uma casa de campo do tipo Donald Trump.
A voz da Suzy me
alcançou do outro lado da sala.
— Ai-i-i
amiga-a-a-a-a-a. – Ela fez questão de frisar todos os “as”. - To com inveja,
os pais do Roy não são nem de perto tão ricos.
Fechei os meus
ouvidos pra tanta asneira. A minha melhor-amiga-desde-sempre tinha virado uma
interesseira e eu ainda tinha pelo menos um milhão de perguntas pra responder
nesse maldito questionário de admissão pra escola, o que por sinal já estava se
tornando uma tradição. No ano anterior tinha sido a mesma coisa. Às vezes somos
aprisionados no meio dos padrões que a vida nos brinda.
— Argh! –Volte
ao questionário Kyra, você não é boa em filosofia.
Após um zilhão
de “sim” e “não” dessas perguntas estúpidas que levei uns quarenta minutos pra
responder eu finalmente posso endireitar a coluna e ir assistir a minha aula,
claro que antes tinha de pagar o maior gorila ao ser escoltada pelo corredor
vazio até a sala de aula, que por sinal já havia começado.
Que maravilha,
primeiro dia de aula, fico ferrada com o negócio da matrícula por causa de um
estúpido programa ferrado, tenho de responder tipo uns cem zilhões de
perguntas, sou escoltada por uma tia com cara de poucos amigos e a minha
primeira aula é com a Senhora Ferro (a verdade é que o nome dela é Ferrandt,
mas ela só sabe ferrar todo mundo, já imaginou o porquê do apelido não é?),
fantástica maneira de começar o ano.
— Está atrasada
Senhorita Thompson!
Ela fez questão
de falar bem alto pra que todo mundo escutasse ela ler aquele cartão ridículo
que me fizeram apresentar a ela.
— Grande.
— O que disse?
Merda, a
jararaca escutou.
— O software
novo da escola ferrou com a minha matrícula, eu estava na secretária, ela pode
confirmar tudo. – Apontei pra mulher-com-cara-de-limão-azedo, as duas parecem
estar travando uma conversa mental e pelo visto estão se entendendo, brr
as duas parecem mesmo dois ETs, só falta se teletransportarem pra nave mãe, o
que pessoalmente eu vou achar ótimo, isso vai ser a única coisa boa do dia.
— Sente-se Senhorita
Thompson, penso que já atrapalhou o suficiente da minha aula pelo resto do ano.
Maravilha levei
um chamão na frente de todo mundo, ops o gatinho da secretária está sentadinho
e vai fazer a mesma aula que euzinha. Uau, o meu dia acaba de melhorar. Melhor
seria se a carteira ao lado estivesse vazia e ele jurasse amor eterno por mim.
Acorda Kyra! Fui pro fundo
da sala no canto.
Perfeito! Não
enxergo nada porque tem um gigante na minha frente. Esse ano promete.
A Senhora Ferro
continuou a falar de gramática, do uso correto da crase ou algo-do-genero.
Detesto essa aula e muito mais a professora, e piora ainda mais porque é a
revisão da matéria do ano passado, tipo melhores momentos. É eu mereço. Uff.
Legal a Olivia
Richards está praticamente sentada no colo do gatinho da secretária, ela e
praticamente metade da sala.
Confesso, estou
roxa de ciúmes, se pelo menos ele não tivesse sorrido pra algo que a chata da
Olivia falou. Justiça seja feita, eu tentei o mesmo. Encare a verdade Kyra, ele
está fadado a se deixar enrolar por uma das populares, quem sabe ele não fica
com a Susan, isso se ele for mais rico que o
Julian-sei-lá-o-que-que-tem-um-casa-de-campo-igual-a-do-Donald-Trump.
Queria tanto a
minha amiga de volta, iríamos rir muito do comportamento da Olivia e companhia.
Encare os fatos
Kyra, caso consiga sobreviver a este ano, então nada nem ninguém vai conseguir
te fazer mal.
Dei um suspiro e
olhei discretamente pra trás o garoto novo estava me olhando sério, a sua testa
perfeita estava franzida, ele parecia incomodado e eu me perguntei o que seria,
dei um sorriso amarelo pra ele e voltei a minha atenção pra montanha à minha
frente vestido com a camiseta do Boston Celtic’s. O repreendi
mentalmente, qualquer um no planeta sabe que o New York Knics é o time!
Mesmo não tendo visto nenhum jogo da CNA da última temporada, a ESPN
de casa foi cancelada no ano passado depois que eu discuti com o Chris e também
deixei de ir na casa do Bruce, a irmã dele sempre fica aprontando.
Comecei a
rabiscar no meu caderno.