domingo, 18 de agosto de 2013

Brasil, vergonha de ti!

Há algum tempo venho ensaiando pra voltar a escrever aqui, mas as decepções são tão grandes que fiquei desanimada.
Primeiro, fiquei alegre por que finalmente o povo brasileiro havia acordado pra tanta coisa ruim e começou a exigir seus direitos (aqueles que pagamos para ser garantidos através de altos salários pagos aos parlamentares que diga-se de passagem são meus funcionários, afinal é o meu imposto que paga as mordomias deles), indo pras ruas e protestando e com total cobertura da mídia. Então, veio as primeiras decepções...
Um deputado a quem repudio, quer impor seus dogmas retrógrados a toda uma nação, e foi a público dizer que pretende sim mudar as leis no Brasil, transforma-lo de um país laico a um atrelado na religião.
Eu não teria problema com isso se essa religião imposta fosse uma religião justa e não uma deturpada pela mente insana de alguns.
Esse mesmo deputado disse que, nas próximas eleições eles querem aumentar a bancada evangélica em 30% e até 2016 querem ser 100% no congresso. Pra mim o congresso é uma casa de leis e não de pastores, lugar de pastores é com o seu rebanho e não brincando de fazer lei.
Claro que isso é a minha modesta opinião.
Como se já não bastasse as ruas sem lei, a inépcia da policia, nem vou mencionar a corrupção por entre os políticos, e nem falar de um certo governador do Mato Grosso que resolveu querer fazer bonito para uma possível Copa do Mundo que, resolveu emburacar a cidade inteira e o melhor, a cidade vai continuar em obras até 2015, ou seja, até após a famosa Copa do Mundo. Que palhaçada...
Já estou até vendo a cara dos possíveis turistas, quando estiverem presos em um engarrafamento monstro que vão fazer eles se atrasarem pros únicos 3 jogos que a cidade vai sediar... e quem paga a conta??? Eu é claro, sou mais uma brasileira idiota que só serve pra pagar a conta desses incompetentes políticos, que diga-se de passagem NÃO FORAM VOTADOS POR MIM!!!!! Graças a Deus eu não tenho esse peso na consciência.
Então acontece um crime, é noticia no mundo e a policia incompetente trata de encontrar um culpado, o filho suicida. HaHaHa. fala sério! A quem vocês querem enganar?
O Brasil é sinônimo de oba-oba lá fora, prostituição, corrupção, tráfico, e agora garotinhos matam os pais e se matam em uma crise de consciência. HAHAHAHAHA pra vocês idiotas.
PELOAMORDEDEUS vai assistir CSI e aprende como investigar um crime! Ou melhor vai até a página do MSN e pega um dos vídeos do FBI Bureou.
É por que Brasil nesse momento eu sinto uma terrível vergonha de me considerar brasileira.
Sinto não ter ganhado na loteria e poder ir embora, porque o futuro pra você é tenebroso Brasil.
A esperança que adquiri com os protestos, quando o Brasil foi para as ruas se extinguiu, e a decepção dói, dói muito...
Espero que o povo acorde e faça a coisa certa nas urnas, por que senão vou ter de arrumar outro lugar pra viver, me recuso a compactuar passivamente com o que querem fazer aqui.
Pronto falei!

sexta-feira, 1 de março de 2013

Branco - Capitulo 5


Capitulo 5



Será que quando eu voltar a minha realidade tudo vai voltar a ser como antes?
Será que não dá pra ter um meio termo, não? Tipo, eu continuar a ter uma mãe?
Sabe ter um carro é legal, roupas novas também. Tá não vou ser hipócrita ao negar que fiquei feliz ao não precisar mais ir a pé pra casa, agora chego seca e não preciso sair de casa tão cedo, e não me importo nem um pouco de levar a Pê pro colégio no outro lado da cidade.
Só gostaria de não me sentir tão confusa, é claro que eu em minha condição de adolescente vivo em um estado permanente de confusão, mas convenhamos, o meu estado tem extrapolado e muito o bom senso. Por isso, tenho ficado na minha — como sempre.
— Ei mocinha, onde pensa que vai com tanta pressa? — Freddy me girou até que parasse em frente a ele.
— Oi Freddy. Indo pra casa e você?
— Kyra, Kyra. Tem de parar de se esconder, ou logo você vai desaparecer...
— Qual é o episódio da vez?
Quando o Freddy começa a filosofar é porque ele pegou alguma maratona de algum seriado futurístico, daqueles onde se começa com... “O espaço, a fronteira final”[1]
— Nenhum. — A cara que ele fez me dizia o contrário, e como não estou a fim de discussão deixei essa passar.
— Sei.
— Sabe eu realmente penso que você deveria expandir seus horizontes Kyra. Que tal cinema e sorvete na sexta?
Hum, sorvete? Você realmente sabe como tentar uma garota.
— Isso é um convite ou vou servir de cobaia pra algum estudo? — Da última vez que fui convidada pelo maluco do meu amigo pra algo ele queria me usar pra provar que uma tese estúpida de algum cientista estava errado, nem preciso dizer que fiquei fula ao descobrir isso.
— Apenas um singelo sorvete. — Ele sabe fazer cara de sofredor como ninguém. Só que eu o conheço muito bem pra cair nessa.
— Sei.
— Tá bom, to querendo ver Massacre na lua escura, e como de todos que conheço só você curte esse tipo de filme. — Ele deu os ombros. É por isso que somos amigos desde sempre, um conhece muito bem o outro pra se deixar levar por meras palavras.
— É claro que eu vou, ainda mais por que você vai pagar a pipoca. — Sai indo da cara dele.
— Pipoca? Que pipoca? Combinei sorvete. Kyra!
Os corredores já estão cheios, a minha saída tão bem planejada foi por água abaixo.
— Droga.
O Amon está parado conversando com não-sei-quem e pra sair vou ter de passar por ele.
Desde o episódio da minha piração na piscina e a minha conseqüente ida pra casa dele não o vi mais, sou boa em me esquivar de ser vista.
Amon franziu a testa quando me viu passar rapidamente sem o cumprimentar, se não fosse pelo Lance ter agarrado o meu braço era exatamente isso que eu ia fazer.
— Que eu saiba você ainda tem educação, não vai dizer: oi primo? — Ele me olhava como se eu tivesse cinco anos novamente. Tá eu concordo, nem sempre é fácil ter educação sendo uma adolescente do segundo grau.
— Oi primo, olá Amon. — A minha vontade era a de sumir. Nem pro Amon estar um pouco mais afastado. As pessoas passavam fazendo caretas. É eu queria morrer. Só de pirraça o Lance segurou a minha mochila, impedindo que eu saísse correndo. A conversa deles parecia não ter fim. Claro que isso é premeditado. — só pra me irritar.
— Kyra, baixei uns filmes que você curte, não está a fim de ir lá em casa depois da aula ver? O Amon ficou de levar as pipocas.
Eu me engasguei é óbvio. O Amon havia me dito que nunca saía, é cem por cento treino. Que raios está acontecendo aqui? Antes que eu tivesse a oportunidade de perguntar a total-super-colante namorada do Amon apareceu.
— Vão onde, que se esqueceram de me convidar? — Ela serpenteou inteira em volta do pobre e lindo Amon, se enrolando toda em volta dele. — Cobra!
— Olá pra você também Amanda. Parece que nesta escola as pessoas se esquecem da boa educação.
Pelo visto o meu querido primo não ia muito com a cara dela não. Ela deu os ombros sem se importar de mostrar uma grama sequer da boa educação. Ela lançava fogo pelos olhos em minha direção. Fingi que não era comigo.
Amon sempre tão gentil pigarreou tentando acalmar a situação.
— Vamos a casa do Lance, quer vir junto?
Eu mordi a língua pra evitar de gemer diante do convite e do ar todo bobo que ele fez pra namorada-grude-cobra dele.
— E por que é que a aberração da escola foi convidada? — Ela bem que podia ter falado isso em um tom normal de voz, mas não, ela tinha que falar alto o suficiente pra escola inteira escutar, e nem precisou de megafone pra isso. Eu só não saí correndo por que o Lance continuou a agarrar a minha mochila, e também, neste exato momento, ele está bufando de raiva.
— Olha aqui sua vadia, limpe a boca pra falar da Kyra. Pelo que me consta a única esquisita de verdade do colégio é você.
A guria ficou roxa, eu até poderia ver a fumaça saindo por suas orelhas. Ódio é pouco para o que ela está sentindo agora.
— Estranha? Como ousa garoto. A única aberração aqui é essa garota, que chegou ao cúmulo de inventar que está namorando com um cara que sequer sabe que ela existe.
— Peraê. Eu nunca disse que eu namoro alguém. Nunca disse que tenho um namorado.
Agora o colégio inteiro acompanha a discussão.
— Há disse sim, me lembro perfeitamente, quando eu flagrei você na hidro com o meu NA-MO-RA-DO!
Puta merda e agora, fui promovida a vadia ladra de namorado número um do colégio.
— Se ela está dizendo que não tem namorado, é porque não tem! — Dá pra sentir a irritação do Lance.
— Amor, você está nervosa, se acalme. — Ele bem que tentou fazer com que ela recobrasse o juízo. Um desperdício total de palavras. Ela realmente está interessada no escândalo e me enterrar socialmente de vez.
— Não me calo coisa nenhuma. Eu falei com o seu precioso namorado e rimos muito do quão patética você é aberração.
— Cala a boca sua esquisita!
Agora fui eu quem segurou o Lance, ou ele vai acabar batendo nela.
— É bom você parar agora Amanda. — O Amon estava perdendo a paciência, justo ele que sempre foi tão gentil, amigo, está realmente irritado com o circo que ela está armando.
— Ou o que atleta de ouro? Me diga?
— É bom parar, porque a verdade sempre aparece.
Ele fez!
Ele usou a voz com ela. Meus olhos com certeza devem estar saltando pra fora agora. Se, antes eu estava quieta pra evitar que a guerra gratuita dela não avançasse pra agressão física e com isso amargar uma suspensão que eu não ia ter como justificar pra minha mãe. Putz, se isso acontecer vou perder toda a confiança que ela inexplicavelmente passou a ter comigo. Por outro lado eu estou nesse instante muda e com os olhos saltando pra fora das órbitas de espanto, o que não me impediu de ver o Cedric no meio daquele mar de alunos e se aproximando.
Deus por favor, faz ele ir embora. Não vou suportar ter de enfrentar o veneno da Amanda e o escárnio dele ao mesmo tempo.
— Verdade! Você quer a verdade atleta de ouro? Pois eu lhe dou a verdade. Essa vadia não está namorando com o Cedric, eu estou!
— O que você disse? — Ele soltou o braço dela.
Eu olhei pro Cedric sem acreditar naquilo.
Deus. Devo estar com a boca aberta repetindo e repetindo as palavras do Amon em minha cabeça. Minha voz sumiu.
— Vadia!
Alguém ou o Lance deve ter dito isso, não que importe. O que realmente importa é o porque eu imaginei que ela falou que está namorando com o Cedric. Como pode ser isso?
E o Amon? Como ela pode trocar o príncipe dos mares pelo meu Cedric?
Não que ele seja oficialmente meu, mas justo com ela?
— O que você escutou garoto dourado. Está olhando pra nova namorada do Cedric Stephanno.
— Aproveite esquisita. — Amon afastou dela como se ela fosse algo contagioso. Quase tive pena dela. — quase.
Ela empalideceu e abriu os olhos como dois pratos. É caiu a ficha agora e percebeu a besteira que fez.
— Vamos Kyra. — Amon passou o braço sobre meus ombros me obrigando a andar enquanto o Lance carregava minha mochila. Me senti como Moisés ao abrir o Mar Vermelho, por que o corredor se abriu a nossa frente. Podia sentir a tristeza dele, não é fácil manter a cabeça erguida com o coração despedaçado.
— Ei cara, que muvuca foi aquela?
— Nada de mais TJ, só a esquisita da Amanda querendo publicidade.
Queria saber do porque os garotos perderem tanto tempo fazendo aqueles cumprimentos sem sentido de ficar batendo os punhos um dos outros. Esse TJ deu um longo assovio e enrugou a testa perfeita dele.
— Estão indo aonde? — Ele começou a andar, ou melhor ele parecia uma galinha choca quicando de lá pra cá.
— Lá em casa. Vamos ter uma sessão extirpa e sangra. — Meu primo falou sem muito animo.
— Uau to nessa. Vai chamar a turma?
— Tudo bem, mas sem cerveja e sem mulher. — Meu primo não está em seu melhor humor, posso ver isso no rosto dele.
— Pô, assim não tem graça cara.
— Minha casa, minhas regras.
— Ok. Ok. Vou falar com a galera e avisar pra só levarem refri.
A essa altura já estávamos saindo pela porta em direção ao estacionamento o TJ desceu em direção contrária falando com-não-sei-quem no celular, pelo visto ele ia pro ginásio.
— Lance, olha só. Tenho de ir pegar a Petúnia. Fica pra outro dia tá, as coisas saíram meio fora de controle. — Ou ele não me escutou ou fingiu que não me viu, porque ele começou a falar freneticamente no celular.
— Lance, me escutou? — Ele continuava a falar, só levantou a mão e me deu as costas. Se ele não fosse o meu primo e eu gostasse dele eu o matava agora mesmo.
O Amon continuava com o braço em meus ombros, eu o sentia tremer. O garoto vai desabar a qualquer momento. Comecei a andar em direção a carro dele. Rezava pra que ele tivesse condições em dirigir.
— Suas chaves. — Ele está andando como um zumbi.
—Suas chaves Amon. — Ele me olhou como se eu estivesse falando em latim. Merda, o cara tá em choque. O encostei contra a lateral do carro dele. Definitivamente ele está em choque, está com aquele olhar perdido.
— Olha só, eu vou colocar a mão em seu bolso pra pegar a chave tá. Não vai pensar nada de errado. — Não sei por que estou falando, ele não deve estar escutando nada mesmo. Coloquei a mão no bolso dele, rezando pra não tocar em nada mais que a chave do carro. Chave na mão, porta aberta, o fiz entrar, alguém vai ter de dirigir o carro dele. Esperei o Lance se aproximar pra avisar que ele vai ter de arrumar alguém pra levá-lo pra casa. Alguém tem de ficar com ele.
— A Lilith está vindo.
O que a minha insensível irmã tem a ver com o que está acontecendo? E por que raios ele a chamou?
— Não entendi. Porque a chamou, você a detesta. — Eu sentia as rugas em minha testa, eu perdi alguma coisa?
— Pra levar o seu carro. Você dirige o do Amon.
Eu olhei pro Amon sentado com o olhar perdido.
— Tá louco? Eu é que não vou dirigir o carro do primo dele. Sabe quanto vale essa coisa? Pois eu não, e não quero correr o risco de bater ele. Você o dirige. — Joguei as chaves pro Lance, quando fui me afastar o Amon segurou o meu braço.
— Por favor.
Jesus, como alguém em sã consciência vai negar algo a ele? Só aquela maluca da Amanda pra fazer isso.
— Não posso dirigir esse carro. E se eu bater?
— Por favor.
Eu fechei os olhos. Droga ele é o cara errado. — Mundo paralelo alôôôô.
— Vamos no meu, eu preciso ir buscar a minha irmã e já estou atrasada, depois voltamos e pegamos o seu.
— Minha mãe já foi buscá-la e avisei a sua mãe de que você vai passar uns dias lá em casa. Ela vai levar algumas roupas pra você. Não se preocupe eu expliquei tudo a ela, só preciso da sua chave pra Lilith levar o seu carro.
— Opa, alguém me chamou?
— As chaves Kyra!
Certo, certo. Que Deus tenha piedade e que o Panteão dos anjos me proteja. Dei um suspiro, essa eu perdi.
— Dentro do bolso externo da mochila.
Lance abriu o bolso a procura da chave e a passou pra Lilith.
— Você leva o carro da Kyra, já avisei a tia. Nós vamos ver uns filmes lá em casa.
— Legal, que tipo de filmes? — Perguntou toda acesa. Claro, a estrela do colégio levou um toco em público há alguns minutos atrás, a chance de saber mais detalhes é tentador.
— Festival Godzila e Jogos Mortais.
Tive vontade de rir, ela detesta esse tipo de filme, acho que é por isso que eu gosto tanto.
— Ai credo, que horror. Quer que eu vá te buscar mais tarde?
Seja bem vindo ao mundo paralelo, onde a sua realidade é inversamente oposta a tudo o que você conhece. Alôôô. A Lilith N-U-N-C-A foi gentil.
— Não precisa. Vamos? — Ele saiu levando a minha mochila, o Amon continuava a segurar o meu braço e a Lilith com aquele olhar ansioso.
— Ok, vamos. — Dei um sorrisinho pra que ele me soltasse e dei a volta rezando pra não bater em ninguém no caminho.
— Você está bem? — Eu precisava fazer algo ou não ia conseguir tirar o carro do estacionamento do colégio, e ele está muito quieto.
Após engasgar o motor umas cinqüenta vezes consegui fazer essa máquina começar a rodar. As minhas mãos soavam em volta do volante. O Amon olhava pela janela com aquele olhar perdido. Eu estou tão triste por ele, ele parece gostar muito daquela cobra.
— Não prefere ir pra sua casa? Talvez queira ficar sozinho pra pensar. Sei lá eu...
— Você tinha razão, eu não quis acreditar. — A voz suave dele era como música.
— Eu tinha? Hum, sobre o que exatamente? — Sabe o tico e o teco não estão trabalhando muito hoje. Eu mantinha os olhos na estrada, devo estar sei lá a uns vinte por hora, não ligava a mínima. Não quero correr riscos desnecessários. Também sou boa em ignorar as buzinas histéricas atrás de nós.
— Eu fiz como você falou, usei a voz e ela falou. Suponho que também eu seja meio peixe, o que vai ferrar com as minhas intenções de ir pras olimpíadas.
Eu fiquei em silencio tentando achar algo pra dizer a ele. O que eu poderia falar? O cara havia perdido tudo, o mundo dele virou do avesso na mesma tarde.
— Bom, se você fizer a maior parte do treinamento na sua casa, e evitar as provas muito longas, pode dar certo. Só não posso dizer que dê pra você ir pras olimpíadas. Isso vai depender do quanto tempo você ainda tem antes de se transformar. Isso se realmente você for um tritão.
— Acredita nisso?
— Amon, nesta última semana o meu mundo enlouqueceu. E neste exato momento eu estou rezado pra tudo quanto é santo que existe que não me deixe bater esse carro. Estou tão apavorada que não sei como estou conseguindo dirigir.
— O carro têm seguro.
— Mas eu não. — Uma maldição saiu da minha boca quando o carro morreu.
Ele abriu a porta e desceu do carro.
— Tudo bem eu dirijo. — Ele abriu a minha porta.
— Mas, mas.
— Relaxa. Eu estou bem. Sou um peixe, lembra? — Ele me deu aquele sorriso-raio-de-sol. Eu desci e o deixei assumir o volante. As buzinas continuavam. A fila de carros atrás estava enorme. Por que é que eles não passam pelo outro lado? Depois eu é que sou a estranha.
Sentei, coloquei o cinto e ele ligou o cd player e colocou no último volume. Posso sentir a vibração da garganta do Chester em minhas costas.
Deus sou bem capaz de amar esse garoto. Ele gosta de filmes de terror, do Linkin Park, do que mais uma garota precisa? Sorri pra ele e ele pisou no acelerador. Dessa vez não fiquei enjoada, estava babando diante do sorriso dele.


Assistir filmes na casa do Lance até que foi legal, isso se não levar em conta todos os gorilas que tive de passar.
Heloooo eu sou a esquisita lembra?
Gorila número um: minha mãe abraçando o Amon e agradecendo pela quinquionésima-centésima-milésima vez.
Gorila número dois: a equipe de ouro me olhando esquisito.
Gorila número três: os vip’s do colégio me olhando esquisito.
Gorila número quatro: os trinta garotos espalhados pela sala me olhando esquisito.
Gorila número cinco: sou a única garota e ainda por cima, esquisita.
Gorila número seis: ter de dirigir novamente o carro do primo do Amon enquanto o Lance nos segue. Realmente eu não entendi do porque ele não dirigir a droga da Ferrari e me deixar dirigir o Crysler dele. Pensei que dirigir essa coisa era o sonho de dez entre dez garotos.
Gorila número sete: ter de levar o Amon pra cama — dele e saber de primeira mão pelo meu estimado primo que eu terei de retribuir a favor e ficar de olho nele. Ele saiu me deixando naquela casa sozinha com o Amon — novamente.
Por via das dúvidas, dormi de jeans.

Eu olhava critica as dezenas de prateleiras cheias da geladeira do Amon, tentando encontrar algo normal ali. Como um bom garoto meio-peixe ele é um adepto a alimentação saudável. Argh. Tudo bem, eu gosto de saladas, mas alôôô não no café da manhã.
— Finalmente algo útil, ovos. — Tirei a embalagem a colocando na pia. Será que o Amon come muito? Acho que seis bastam, se ele não comer eu como no almoço. Meu estomago resolveu encrencar, começando a reclamar de fome.
— Bom dia.
Quase deixei cair os ovos.
— Bom dia. Está com fome? Espero que não se importe. — Mostrei os ovos que estou a ponto de quebrar.
— O que está fazendo? — Ele sentou na banqueta e ficou olhando. Ele está com cara de sono, como se houvesse acordado antes da hora, ficou totalmente evidente quando ele apoiou a cabeça na mão, ele não parava de bocejar.
— Acho que alguém não dormiu o suficiente. Como gosta dos ovos? — A minha atenção totalmente voltada pro café da manhã, meu estomago não para de roncar. Fiquei rezando pra que ele não escutasse.
— Mexidos. Tem cheddar na geladeira.
Terminei de quebrar os ovos e joguei as cascas no lixo. Ótimo fiz a maior sujeira.
— Aqui. — Ele colocou o queijo na bancada ao lado da pia e começou a abrir as portas da infinidade de armários e a antecipar o que eu acabaria pedindo a ele. No fim, acabei sentada olhando ele cozinhar.


Chegar na escola em uma Ferrari e com o garoto mais popular não é pra qualquer um, mas a melhor parte foi ver a cara de ódio da Amanda, principalmente quando ela foi deixada bufando sozinha no estacionamento. O Cedric não a esperou. O Amon não disse uma palavra sobre o que aconteceu e algo me diz que ele não vai falar nada. Por fim, acabei onde a Lilith sempre quis estar — entre os populares da escola.
A ficha caiu quando entendi o porquê de tanta gentileza por parte dela, eu poderia abrir esse mundo pra ela — pro meus dois irmãos egoístas. A vida é realmente uma caixinha de surpresas.

— Ei mana, precisa de carona pra casa? — Fechei meu armário, não acreditando em meus ouvidos. O Cris está falando comigo e em público? Eu me virei lentamente pra me deparar com o meu irmão parado e me olhando, será que ele está esperando resposta?
— Er, eu tenho um carro agora. — Sério isso já extrapolou a barreira do além da imaginação, não que eu esteja reclamando dessa dimensão bizarra, mas, qual é isso já abusou de qualquer bom senso.
— Se precisar é só falar. Te vejo em casa. — Ele se virou e saiu.
Bom eu não posso ficar ali parada, não é? Peguei o CD com a pesquisa pro Amon e segui o fluxo pra fora. Se tivesse sorte o veria no estacionamento, entregaria o cd e pronto! Adeus dimensão paralela e helooo vida insípida de volta.

Abri o olho com um gemido. Quem é o cretino que resolveu ligar a essa hora da manhã? Cobri a cabeça e coloquei o travesseiro por cima, não resolveu. Continuo a escutar a campainha estridente da porcaria do telefone. Por que raios a Lilith não atende? É pra ela mesmo.
— Droga, porcaria. — Levantei batendo o pé furiosa por seja-lá-quem-for ter me privado do meu sono. Ainda não me acostumei a dormir em uma cama, com exceção da do Amon. Eu desmaio na cama dele, deve ser o nervoso por estar tão próximo de um garoto.
Será que ninguém escutou o telefone berrando?
— Alô.
— Kyra?
— Lance? Por que raios você está ligando a essa hora?
— O Amon não está atendendo ao telefone.
— Pelo-amor-de-Deus o cara tá dormindo, são cinco da manhã, você não tem relógio não?
Estou tentada a desligar o telefone e voltar pra minha recém adquirida cama.
— Kyra, por favor. Vai até lá e dá uma olhada se está tudo bem. — Que coisa estanha os dois nem eram amigos até a uma semana atrás e agora ele está quase surtado de preocupação.
— As cinco da manhã? Sem chance e além do mais você mora mais perto. Se está preocupado vá checar, vou voltar a dormir, passei metade da noite estudando e não quero dormi em cima da minha prova.
— Mas Kyra.
— Boa noite primo. — Desliguei o telefone. Ainda estou no mundo paralelo. Subi a escada me arrastando pro meu novo quarto. Uma coisa boa, o sono não me abandonou.

Meu primo é um manipulador e tanto. Sorte a minha que ninguém da minha família tem isso ou eu estava ferrada de vez.
Acabo de deixar a Pê na escola e tenho as palavras do Lance martelando na minha cabeça. “O Amon não está atendendo ao telefone. Vai até lá e dá uma olhada se está tudo bem.”
— Droga. É melhor você estar bem, ou eu vou ficar muito zangada. — Passei voando pelas ruas. Esquerda, reto, esquerda, direita. O velho Ford quis começar a resmungar.
— Sem essa. A minha mãe dirige bem pior e você não fala nada, então fica quieto e vai mais rápido. — Pelo visto acabei com a rebelião da máquina. Finalmente a esquina da casa dele. O portão da garagem estava se abrindo. Um bom sinal não é? Nenhum carro da emergência a vista.
Zero desculpa é exatamente o que eu tenho.
A Dodge preta sai da garagem. Respirei aliviada ao ver o Amon dirigindo. Não devia ter levado tão a sério o Lance.
— Kyra? Havia marcado com você? — Ele parou ao lado do meu carro-ferrado-Ford.
Zero desculpa Kyra, lembra?
— A verdade é que o Lance não me deixou dormir, ele me disse que você não estava atendendo o telefone. — Nada como ir direto na ferida.
— Não devo ter escutado, estava estudando e a música ficou meio alta.
Eu te entendo amore perfeitamente, há se entendo.
— Sei como é, vou avisar o Lance, as vezes ele dá uma pirada. — Hum isso tá ficando estranho.
— Te vejo por aí.
Fiz a volta enquanto via a camionete dele desaparecer na curva da rua.
— Bem vinda de volta ao mundo real Kyra. A vantagem é que agora você está motorizada.
Liguei o rádio e fui pra escola ao som do T-pac. Não sou fã de rap, mas cara, ele sabia como fazer a coisa.


— Sala de música? E porque raios eu tenho de ir pra lá? Nem tenho aula de música. — Olhava o papel na minha mão sem compreender a insanidade desse homenzinho na minha frente.
— Olha aqui senhor, estou fazendo um teste, ok. Você se enganou. — Entreguei o papel e voltei pra minha carteira. E eu pensando que tudo havia voltado ao normal.
— Kyra!
— O que?
— Quando terminar deve acompanhar esse, esse senhor.
Putz o cara ainda está ali? Tem certas pessoas que não entende mesmo.
— Que seja. — Acho que devo ter bagunçado de alguma forma essa realidade por que as pessoas perderam o pouco bom senso que possuíam.
— Kyra!
Se me chamarem de novo vou gritar. Levantei a cabeça irritada, apontei a prova e voltei as perguntas.
Quinze minutos depois estou andando pelo corredor, escoltada por esse cara esquisito (é porque ele é muito esquisito), até a porta da sala de música, o cara ficou na porta até que entrei. Sinistro isso.
— Oiê, tem alguém aí? — Ótimo! Apurrinharam durante o teste e pra que? Pra nada, não tem ninguém aqui.
— Seja quem for que estava aqui deixou o cd player ligado.
— Tá perdida Kyra? — Uma voz doce e rouca me fez virar pra porta.
— Amon! Parece que é você quem está perdido. — Ri do ar sofrido dele.
— Horário vago. E aí o que está fazendo aqui?
— Não tenho idéia. Um sujeito muito do esquisito quase deu um de homem das cavernas e me arrastou da sala de aula e não tem ninguém. — Ambos olhamos pros lados. Ninguém. A música também parou.
— Tem aula agora?
— Fui dispensada. — Chacoalhei o papel da dispensa. Ele sorriu. Não um sorriso qualquer, aquele sorriso de quem está tendo idéias que pode dar problemas se formos pegos.
— Bom, parece que ambos estamos com o horário vago.
— Pois é. — Sabe, estou começando a não desejar mais voltar pro meu velho mundo. Essa nova realidade está ficando cada dia mais interessante.
— Sei de um lugar ótimo, quer vir comigo?
Como não aceitar, ainda mais ele falando assim. E ainda existe a prerrogativa de um pedido feito diretamente pelo anjo loiro. É, taí um pedido difícil de recusar.
— Claro, to sem aula mesmo. — Céus, estou começando a pedir pra não acordar, ainda mais porque o meu príncipe dos mares pegou a minha mão como se fosse a coisa mais normal do mundo. Por sorte os corredores estão vazios, assim não teve aquele momento: “ei olha a garota que era o zero a esquerda com o cara mais popular da escola.” Sorte a minha, ainda não estou preparada pra certas coisas nessa louca-realidade-alternativa.

Irritado, um par de olhos a vê afastar-se com o garoto-peixe.


— Kyra Thompson!
Levantei o rosto do caderno, deixando o exercício de física que não queria ser resolvido. O professor Cruz apontou pra porta. O professor tem um nome perfeito, porque cada vez que tento resolver essas equações me sinto pregada na cruz.
Olhei pra porta, uma mulher da secretária estava parada com um papel nas mãos e olhava pra sala como se fossemos um bando de ETs.
— Kyra Thompson!
— Aqui! — Levantei a mão, o resto da sala olhava tentando adivinhar o que eu tinha aprontado pra virem atrás de mim. É eu também me perguntava isso.
— Venha comigo! — A mulher se virou e saiu andando, o professor ficou mais que feliz em me mandar atrás dela.

— O diretor vai falar com você, entre.
Porque será que eu e sinto como se estivesse indo pra minha execução? As vezes essa realidade alternativa assusta. Respirei fundo, dei um sorrisinho meia boca e entrei pela porta aberta da sala do diretor, ele, claro, olhava uns papéis como se eu não existisse.
Depois de sei lá, umas cem horas esperando resolvi agir como um dos descolados do colégio. Sentei. Já que é pra esperar que, pelo menos eu ficasse confortável, e olha que a cadeira é bem macia. Por que será que não fazem as carteiras assim também? Tenho certeza de que se evitaria muita matação de aula.
Acho que vou começar a andar com um kit de unha nos bolsos, tenho ficado muito tempo olhando pros tocos que é a minha unha ultimamente.
Resolvi mudar de tática e comecei a torcer o cabelo, era isso ou acabar sem unhas, e será que eu ficaria bem de tranças?
— Bem senhorita Thompson, sabe o porquê de estar aqui?
É óbvio que não, se eu soubesse não estaria aqui com o cabelo todo torcido.
— Não senhor. — O chato do diretor sequer olhou na minha cara, ele continuava a mexer no monte de papéis espalhados pela mesa dele. Porque é que ele não fala logo de uma vez, não que eu esteja achando ruim matar aula, nos últimos dias tem acontecido muito.
— Está aqui pela destruição da sala de música.
Do que é que ele está falando?
— Como é? — Fala sério, to tão pasma que nem pensar eu o conseguindo. Brancura total.
—Você destruiu a sala de música, confesse!
— Eu? Não!
— Conforme o relatório em minhas mãos, você foi dispensada da sua aula pra que você passasse o período na sala que agora se encontra destruída e como foi a última a estar ali, eu pergunto novamente. Você destruiu a sala de música?
— É claro que não! — Que absurdo isso, deixa o tico e o teco começarem a pensar que eu já digo onde você deve ir com as suas suspeitas descabidas.
— Então, explique como a sala se destruiu após a sua partida?
— E eu vou saber? Ontem um cara sinistro interrompeu a minha prova de história, querendo que eu fosse pra sala de música e olha que eu nem tenho aula de música e quando cheguei lá, adivinhe, não tinha ninguém.
— Então a sala se autodestruiu sozinha?
Meleca.
— Estava tudo bem ontem quando eu saí com o Amon.
— Com quem?
Uff, até tinha esquecido do Amon.
— Amon, ele tinha o horário vago, e como a sala de música tava vazia, despencamos pro campo.
— Você disse estar com o Amon, por acaso seria o mesmo Amon Oceanic o nosso medalhista da equipe de natação?
— Foi o que eu disse! — Será que ele tem problemas de audição? Ou está falando alto assim pra que a escola inteira saiba?
— Certo. Irei confirmar com o senhor Oceanic, não é preciso lhe informar que se sua história ao se confirmar a senhorita estará em sérios problemas.
Ufa, então não tenho com o que me preocupar, eu não fiz nada mesmo.
— Pode ir, a senhorita está perdendo aula.
Essa é boa, me tiram da aula, diz que fiz algo que não fiz e, putz, fala sério, eu to matando aula. Eu? Essa é boa.
Beleza! Ele voltou a olhar e a escrever algo na papelada espalhada na mesa, cai fora antes que acabasse com uma advertência. Bem no meio do corredor vazio o sinal toca.
— Que ótimo o sinal e antes de eu chegar na sala.
—Kyra! Beleza?
— Tudo. — Respondi mecanicamente, seja lá pra quem for.
Esse mundo paralelo já deu, cansei dessa loucura, vou pra casa, só queria que, sei lá o que eu quero.
— Vai na festa Kyra?
— Não to sabendo de nada não. — Festa! Que festa? Do que é que estão falando?
— Se deu bem hein Kyra, detonou a fresca da Amanda.
— Eu não fiz nada! — E quem é essa guria?
— Oi Kyra, faz tempo que não nos vemos.
— Tá falando agora comigo é Suzy? — A garota parou bem na minha frente, é impossível não a ver.
— Amiga, nunca deixamos de nos falar. Só fiquei ocupada com o meu namorado, você entende não é? Agora podemos sair juntas eu com o meu e você com o seu.
Putz, do que é que ela tá falando? Namorado? Peraê, quando é que começaram a ficar legal comigo e passaram do estágio de ignorar completamente a Kyra e se tornarem amigos da Kyra?
— Está falando do que?
— Deixe de timidez comigo, todos já sabem do seu namoro com o poderoso senhor medalhista das piscinas, vocês até mataram aula ontem, não adianta tentar esconder, metade do colégio os viu juntinhos atrás da arquibancada do campo de futebol. — A Suzy pegou no meu braço e me arrastou pela multidão do corredor como antigamente, claro que antes era eu quem fazia isso.
— Suzy, não tenho nada com o Amon, somos só amigos.
— Kyra, Kyra não é preciso mentir pra mim. Somos amigas, lembra?
— Não estou mentindo. — Pô é sério, ela devia saber disso.
— Tudo bem, ainda está zangada comigo, mas você não tinha um namorado e vive sempre nesse seu mundinho que...
— Que o que Suzy? — Do que é que ela está falando agora?
— Vamos Suzannah, parece que a sua antiga amiga está pilhada.
Legal, esqueci da nova amiga da Suzy, a chata e totalmente fresca Laurie.
— Pode ir Laurie, vou em seguida. — Ela dispensou a chatonilda com aquele típico comportamento de Barbie.
Pelo visto só vou ter a minha amiga de volta se eu estiver de rolo com o Amon. Como ela pode mudar tanto? Será que eu não vi isso ou eu estava sofrendo de cegueira fraterna?
Aguardei a resposta dela, apesar de estar lendo em seus olhos. Desde que ela começou a andar com a fresca da Laurie a minha ex-amiga mudou. Mudou suas roupas, cabelo, maquiagem. Estou agora olhando pra versão morena da Barbie e não mais pra minha querida amiga Suzy.
— Somos só nós agora Kyra, como antes.
Certo, nós e o corredor cheio.
Ela sorria, mas seus olhos... seus olhos estão, cínicos. Deus como pude me enganar tanto assim?
— Quer saber a verdade?
— É claro amiga.
— Compre o livro! — Saí o mais rápido que pude do colégio.
Pra mim já deu dessa realidade, nenhum carro, quarto ou o que quer que seja de benefícios vai me seduzir. Quero a minha vida insípida de volta.
— Ei Kyra.
— Depois Lance. — Eu praticamente corria pro estacionamento.
— Espera, quero falar com você.
Vai ficar querendo primo. Entrei o velho Ford e saí cantado pneu. Eu dirigi, não pra casa, não queria explicar o meu surto pra minha mãe, não agora que estou me acostumando a ter uma mãe. Dirigi pela estrada oeste até o bosque, queria um lugar onde pudesse pensar, sem ninguém. De alguma forma, preciso consertar essa bagunça e ter de volta a minha vida.
Estacionei fora da estrada e comecei a andar por entre os abetos, estava sufocada, precisando desesperadamente de ar. Corri até o meu coração ameaçar sair pela minha boca. Até uma clareira aberta por uma árvore caída. Com a mão o coração me sentei. O fôlego já era.
Todos os acontecimentos dos últimos dias vieram como uma enxurrada; o meu descontrole na piscina; o meu salvamento pelo Amon, ele cuidando de mim; a minha mãe percebendo que eu existo depois de sei lá quanto tempo; o carro; a briga do Amon com a Amanda na frente do colégio inteiro; o Lance fazendo com que eu ficasse mais próxima do Amon; a Suzy querendo voltar a ser minha amiga, por que pensa que eu tenho algo com o Amon, ela e o colégio inteiro.
— Merda! — Pelo visto se eu deixar de ser a “amiga” do Amon volto a ser invisível novamente.
— Maravilhosa realidade alternativa. Isso não é justo sabia? Não é justo! — Gritei pras árvores. Só quero que alguém responda, é tão difícil assim? Uma resposta, só uma?
— Droga! — Levantei e saí dali, já deve estar na hora de ir buscar a Pê no colégio.


— Kyra, está tudo bem? — A minha nova mãe bateu na porta do meu novo-e-recém-adquirido- quarto.
Acostume-se a nova realidade! Droga, não dá pra acostumar com toda essa atenção. Passei anos sendo ignorada e agora.
— Tudo mãe. — Abri a porta com um sorriso meio forçado, realmente não quero dar motivo pra ela começar a falar.
— Está tudo bem na escola? — Ela parecia preocupada.
— Tudo. — Tentei parecer o mais normal e despreocupada possível. Ela entrou e sentou na minha cama, me olhando sério. Já vi que lá vem bronca, por que mais ela estaria aqui?
— Tudo mesmo? — É a minha cara não a deve ter convencido muito.
— Sim mãe. — Agora tenho certeza, ou vai ver ela se arrependeu e veio confiscar o carro e o cartão de crédito.
— Que bom Kyra. Se você tiver algum problema, gostaria que viesse falar comigo. Tudo bem assim?
— Claro mãe. — Como se ela pudesse me ajudar nesse rolo de realidade alternativa em que me meti. Ela levantou com um sorriso de quem sabe algo que eu deveria saber.
— O seu primo Lance ligou, queria saber se você está bem.
Então foi isso. Eu deixei ele falando sozinho, ele liga e agora a minha mãe que está com complexo de mãe e ficou preocupada.
— Está tudo bem mãe, é sério! Eu só estava com pressa e não parei pra falar com ele. — Ela me deu um sorriso de alivio e saiu fechando a porta.


[1]         N. A. - Palavras iniciais do seriado jornada nas estrelas.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Branco + capitulo 1

Branco



Prólogo



Meu nome é Kyra Thompson e ao contrário do que a primeira vista a minha história possa causar, tenho de dizer que eu não me considero uma pessoa derrotada, cordata, aliás, nunca o fui. O que me move a fazer algo tão extremista assim é apenas o meu desespero por liberdade. No momento o meu “hall” de opções está seriamente comprometido. Estou lutando contra o destino, contra todas as apostas. Sim estou fugindo, mas será que você também não o faria se estivesse em meu lugar? Será que não estaria tão absurdamente desesperada também se soubesse que você é apenas uma coisa a ser caçada por um monstro cínico, frio e cruel? Essa é a minha sina! E tudo por que acabei no lugar errado e principalmente na hora errada?
O lugar; Austral, pequena cidade portuária, cortada pelo rio Branco, encravada no meio das montanhas Vermelhas. População 53.803 pessoas e caindo, graças ao expressivo número de mortes não explicadas. Claro que não explicadas para a polícia e imprensa que fazia plantão em frente da delegacia. Éramos notícia até mesmo em outras cidades, só que eu sabia quem era o responsável por aquilo, claro que não naquela época, mas o sei agora.
A pessoa mais terrível, capaz dos atos mais atrozes que já existiu. Isso se puder chamá-lo de uma pessoa. Ele é implacável, um caçador frio e cruel. Cedric cuja beleza é mortal para quem cruza o seu caminho. Cedric capaz de fazer uma lenda tornar-se realidade. Cedric o vampiro.
A hora errada, duas semanas atrás. Sem querer eu descobri o seu terrível segredo, infelizmente tenho hábitos deveras solitários, gosto de caminhar às vezes pra pensar por entre o bosque que circunda a cidade, normalmente são os meus únicos momentos de paz do dia. Em um desses passeios o vi conversando com um andarilho, a beleza dele era surreal, só de olhá-lo eu perdia o fôlego. Sempre me perguntei como era possível ele ser tão bonito e tão indiferente a essa beleza. Não ouvi o que ele conversava com o homem, naquele momento me perguntava como ele tinha coragem de falar com ele, o homem estava vestindo roupas sujas e rasgadas, estava descalço, até que ambos entraram no bosque às margens da rodovia, segui-os. A minha curiosidade sempre foi o meu maior defeito, e também eu não ia perder a oportunidade de olhar pra ele: o objeto da minha obsessão. Com o coração aos pulos os segui com certa distância, não os escutava, mas os via por entre as árvores, então vi algo que me enojou profundamente, aquele homem sujo estava tocando nele. Ele passava a mão suja pelo seu rosto perfeito, e ele sorria. Aquilo me embrulhou o estômago, claro que depois disso eu deveria ter ido embora, mas eu fiquei... O meu maior erro! Os dois conversavam, ele se aproximou e parecia que ia beijar aquele homem asqueroso. Aquilo eu não tinha estomago pra ver, virei o rosto tentando decidir o que fazer, quando olhei de novo o homem se debatia, como que tentando se soltar, não entendi muito bem o que estava acontecendo, até vê-lo soltar o corpo sem vida do homem no chão. A sua boca perfeita estava manchada de vermelho, algo dentro de mim sabia que aquela mancha era sangue. Sufoquei o grito que ameaçava querer sair da minha boca. Se aquele homem estava realmente morto, eu era o que? Uma testemunha? Naquele instante vi que eu estava seriamente enrolada. Respirei lentamente tentando me acalmar, quando olhei de novo o Cedric havia sumido, não o via em nenhum lugar. Esperei ainda uns minutos, só por precaução, como ele não voltou fui ver o corpo caído. Maldita curiosidade. O homem estava realmente morto, de seu olhar vidrado eu via o pavor que ele havia sentido – que eu estou sentido. Em meio à sujeira da pele e o sangue misturado com as folhas havia uma ferida enorme em seu pescoço, sua garganta completamente estraçalhada. Meu estômago começou a querer expulsar o almoço, não podia mais olhar pra aquilo, saí correndo, meio sem direção através do bosque. Precisava me afastar, pegar o meu carro na rodovia e fugir o mais rápido possível, antes que fosse descoberta.
Cedric me esperava encostado em uma árvore, ele sabia que eu o estava observando, ele sempre soube. Foi então que a minha vida passou a valer nada.


Vou lhes contar como tudo aconteceu...




Capitulo 1



Tragicamente é o primeiro dia de aula. Odeio a primeira semana, ainda mais o fatídico primeiro dia de aula. É frustrante e ridículo ter de se encaixar em grupos que você não sabe se terá afinidade algum dia. Pior ainda é ter de se obrigar a forçar uma amizade com pessoas que você terá de tolerar por muito tempo.
Eu verdadeiramente odeio o primeiro dia de aula.
O destino podia ter sido generoso comigo e ter me dado uma bela gripe essa manhã. O que adiantou ficar na chuva ontem e ainda tomar um monte de sorvete se hoje estou perfeitamente capaz de ir ao meu fuzilamento no primeiro dia de aula.
Eu devia ter prestado mais atenção nas aulas de saúde no ano passado, quem sabe eu não podia fingir ter alguma doença agora. Cobri o rosto querendo que o tempo desse um salto e me livrasse do martírio.
Escorreguei do sofá caindo no chão. — É eu durmo no sofá. Uma daquelas ironias da vida. Moro em uma casa com cinco quartos, tenho três irmãos e durmo na sala. Meus pais vivem brigando então eles dormem em quartos separados, os meus irmãos, bom, eles não querem saber de dividir o espaço comigo, então acabei na sala, é isso ou o sótão. Eu bem que tentei colocar uma cama lá, mas o teto é tão baixo que eu teria de tirar as telhas pra me deitar no colchão e dormir no quintal está fora de cogitação. O único problema de dormir no sofá é que com isso eu acabo dormindo pouco, porque sempre tem um da minha família que quer ficar até tarde vendo algum programa estúpido, e o pior fica empoleirado no sofá me impedindo de dormir.
— Ai, droga. Comecei bem o dia.
Pela cortina rendada a claridade do sol mostrava a sua cara. Era uma luz suave, cremosa e quente. O dia parecia perfeito, então isso provavelmente quer dizer que logo, logo irá começar os problemas...
Me arrastei do chão até a cozinha. Todos ainda dormiam. Hora de preparar o almoço pra escola.
Dormir no sofá não é nada, o pior mesmo é ter de ir a pé todos os dias pra escola, a minha adorável mãe nunca se lembra de pagar o ônibus, dinheiro pro almoço então... A minha sorte é que eu sempre acordo primeiro ou não ia levar nada de almoço nunca. Algo interessante sobre meus irmãos é que se eles percebem que você está com fome é aí que eles “devoram” tudo o que está na mesa mesmo, se brincar são capazes de comer até a mesa.


Meus pés faziam spreesh, spreesh no caminho coberto de brita que me levava para frente do colégio.
— Primeiro dia de aula. Primeiro dia de aula. Você pode superar isso é só ir em frente. Não existe nada de pior do que isso. Vou sobreviver, vou sobreviver. Só preciso achar algum conhecido e rir de tudo isso. – Eu ia resmungando como um mantra.
Um grupo de garotos passou correndo em direção ao estacionamento, excitadíssimos. Será que alguém apareceu com um carro cor-de-rosa? Curiosa olhei pra trás e caí na risada. As “VIP'S” do colégio, também conhecidas como “AS DIVAS” chegaram de limusine. Devem ter pagado uma nota, pelo que eu saiba não existem limusines em Austral. Nessa cidade não tem nada.
— Patético! - Continuei a andar em direção a entrada. Via as ondas de alunos se acotovelando em frente aos painéis dos avisos com o informe colados em forma de milhares de folhas. Algum computador idiota determinou quem vai ser meus colegas esse ano.
Mudei a mochila de ombro, a minha bota deixava o meu caminhar mais lento, era quase como se eu estivesse andando sobre a areia fofa da praia - quase; a realidade impedia qualquer ilusão.
A frente do colégio estava tomada.
— Vai ser difícil achar algum conhecido. É bom se enturmar Kyra ou vai ser complicada a sua passagem pelo ensino médio. – Murmurei suspirando. Ficar parada não vai adiantar nada mesmo. Se já não bastasse eu estar me sentindo como um alienígena. Isso é um mau sinal, principalmente no primeiro dia de aula.
Até que não foi difícil atravessar os vinte metros que me separa da escada até as listas. Só precisei de uns quinhentos com licença, uns trezentos desculpe e uns cinqüenta sai da frente. É foi bem fácil.

Olhei três vezes a lista interminável de alunos da Escola Municipal Tereza Sain't Austral. – É não sei o que tinham na cabeça quando escolheram esse nome.
— Finalmente uma alma conhecida. - Ao me virar vi minha mais fiel amiga se aproximar.
— Hey Suzy! – Acenei veemente pra ela. Ela ficou roxa e virou o rosto. Olhei pros lados preocupada.
— Uê o que eu fiz de errado? - Como ela vinha em minha direção aguardei. Seja o que for, íamos rir muito depois, sempre fazemos isso.
— Não! Ele não fez isso.
A Suzy está de papo com a Lauren? Isso é novidade.
— Juro Lauren, o Julian apareceu de limusine no meu hotel. Foi tão romântico. - A Susan virou os olhos. Sorri ao ver os olhos da minha amiga brilhando. Seja-lá-quem-for-esse-Julian eu tinha certeza absoluta de que esse episódio a derreteu completamente, ela sempre foi fã de Uma Linda Mulher mesmo.
Ela estava diferente, ok, ok, ela não precisava exagerar e usar quinhentos quilos de maquiagem e poderia usar uma saia que tampasse pelo menos a bunda dela. Mas, sou obrigada a reconhecer que a minha amiga está bonita. Se ficar apaixonada deixava as pessoas mais bonitas então eu precisava desesperadamente disso. Se bem que ela acabar como amiga da Lauren era estranho. A garota sempre foi uma esnobe. Suzy era a primeira a falar disso e agora as duas conversavam como se fossem amigas a vida inteira.
Esperei que ela se aproximasse mais, se bem que eu podia vê-las perfeitamente daqui. Parece que a viagem a praia da Suzy foi realmente excitante, pela quantidade de gestos e suspiros proferidos por ela. Eu sorri. Essa era a Suzy, sempre dramática, com certeza eu ia escutar durante muito tempo sobre isso. Não havia percebido o quanto havia sentido falta disso.
— Oi Suzy. – A cumprimentei animada.
— Deveríamos marcar de sair os quatro juntos, vai ser divertido. – Laurie era a própria empolgação em pessoa.
— Vai ser ótimo, vou ligar pro Julian. – A Suzy se voltou para o celular novo dela.
Eu fiquei olhando as duas passarem por mim como se eu fosse invisível. A Suzy sequer me olhou, continuou a conversar com a sua “nova” amiga e se contorceu toda pra ao passar por mim e dar as costas enquanto tirava o celular da bolsa. É realmente as férias a havia mudado. Até a alguns meses atrás ela sequer cogitava a idéia de ter um celular e agora exibia um último-tipo-fashion-todo-cintilante.
— Aquela não é a sua amiga? – Laurie não ia deixar essa passar. Claro que ela não teria falado nada se eu não estivesse parado no meio do corredor olhando as duas se afastar, o que é pior de boca aberta. Comecei bem o ano.
— Quem? – A Suzy olhou pra trás procurando indiferente sem desgrudar do seu novo celular-último-tipo-fashion-todo-cintilante da orelha.
— A aberração estranha.
Por mais que ela tenha tentado falar baixo, foi alto o suficiente até pra que eu escutasse. Eu e boa parte do colégio, que olhou procurando quem seria o próximo “bicho raro” a ser perseguido naquele ano.
Meleca.
— Não conheço. Ai ele atendeu... Oi amor...
Nesse exato instante estou me sentindo como Cristo ao ser negado por Pedro. A decepção dói e dói muito.
Voltei pras listas com os nomes, as palavras da Suzy dispersava a minha atenção. Precisei olhar umas cinco vezes pra entender que o meu nome não constava na relação.
— Mais essa agora.
A boa notícia era que havia muitos na mesma situação que eu. Nada como marcar o primeiro dia de aula com uma passadinha na secretaria pra já começar com o pé direito. Discutindo sobre o porquê do meu nome não constar na relação de alunos.

— Preencham os formulários de admissão e em seguida o horário. Devem voltar na semana que vem pra ajustarem o horário. – A secretária Helga Sampaio em vias de se aposentar devido à infinidade de cabelos brancos dela mal disfarçados pela tintura distribuía vários formulários a quem entrasse na já abarrotada secretária. O espaço que não era tão pequeno estava completamente tomado por estudantes com cara de poucos amigos. Quem não estaria em nosso lugar? Fui pro fundo da sala onde as poucas cadeiras existentes eram disputadas quase aos tapas. Tive sorte, uma garota se levantou assim que eu me aproximei. É uma lástima as cadeiras serem simples sem aqueles braços, ia ser bem útil agora. Espero não terminar com a folha toda furada por estar apoiando na mochila pra escrever.
— Beleza vai levar o resto do dia pra terminar isso.
Sem outra opção, comecei pela ficha de admissão que por acaso já havia preenchido antes quando confirmei a minha matricula. Só quatro folhas entupidas de perguntas. Só não perguntaram qual é a marca do meu creme dental, por que o resto com certeza eles devastaram a minha vida.
Com o horário das aulas não foi diferente. Milhões de códigos diferentes para a mesma matéria e todos no mesmo horário. Quando eu fechava um dia no outro bagunçava tudo.
— Porcaria! – Apaguei pela quinta vez a minha tentativa de fazer o meu horário, se continuasse assim iria precisar do resto do semestre pra terminar.
— Perdoe-me o inconveniente de estar lhe interrompendo, todavia poderia emprestar-me uma caneta, a minha creio que a tinta esvaneceu.
A voz grave me distraiu, ao ponto de eu levantar a cabeça pra que eu visse o rosto de quem pertencia essa voz que fala de um modo tão estranho.
— Como é? – Jesus-Maria-José! Por Deus Kyra, fecha a boca e não babe! Deus meu. De onde saiu esse? Ele lembra aqueles deuses que estudei na aula de história, de onde eles eram mesmo? Olímpia? Olympus, Olimpo é isso. Quem será que abriu o portão de lá e deixou essa gracinha vir passar uma temporada no colégio secundário em Austral? Com toda a certeza ele é novo, uma novidade dessa não passa despercebida. O garoto é simplesmente fe-no-me-nal. Caraca, como pode alguém ser tão bonito assim? Seus olhos escuros parecem hipnotizar, não consigo parar de olhar. Por Deus que eu não esteja babando, não quero pagar esse gorila. De que cor será que seus olhos são? Não dá pra saber.
— Caneta. Teria a senhorita uma caneta pra me emprestar?
Este ser incrível me olhava, sério. Bom acho que não totalmente, mas eu posso jurar que seus olhos estão sorrindo zombeteiros, divertidos como se soubesse da confusão em meu cérebro. Agora tenho a certeza de que ele sabe perfeitamente o impacto que causa nas pessoas.
O que foi que ele perguntou mesmo? Nunca em toda a minha vida isso me aconteceu, eu ficar tão impressionada com alguém a ponto de perder a fala/raciocínio/ação, – você me entendeu.
O estranho levantou a sobrancelha aguardando o meu cérebro de minhoca que deve ter virado gelatina, por que a minha vontade era a de passar a mão pelo cabelo brilhante dele só pra sentir se é tão macio quanto aparentava. É frustrante isso. Todo mundo tem um cabelo brilhante e perfeito, devo ser a única no mundo que possui o cabelo opaco, murcho e sem vida. O rosto dele é simplesmente perfeito, lembra aquelas fotos das revistas onde aparece algum modelo incrível fazendo propaganda de perfume, se aqui fosse Hollywood ele com certeza seria um ator famoso.
É preciso uma força sobre humana pra impedir que o meu braço levantasse e eu deslizasse os meus dedos pelas linhas perfeitas de seu rosto, que eu afundasse esses mesmos dedos por seu cabelo grosso, que eu acariciasse seus lábios voluptuosos.
Respirei fundo três vezes tentando não parecer com uma descontrolada que sai agarrando o primeiro garoto bonito, ou melhor, lindo que vê pela frente.
O estranho deu um profundo suspiro, estamos tão próximos um do outro que o ar expelido por ele bate direto em meu rosto. O seu hálito fresco e doce, o cheiro delicioso dele, algo como uma mistura exótica de couro. Uma garota pode ficar tonta com um cheiro desse, eu com certeza estava.
Hum, ele está sorrindo, é com certeza é muito fácil perder o fôlego diante de um sorriso desses. O que ele havia me perguntado mesmo? Tentei me lembrar, mas tudo o que consegui foi continuar a olhar pra ele.
— Com isso devo entender que não irá me emprestar à caneta?
Caneta? Que caneta?
Ops, então era por isso que ele estava me olhando.
— Claro. – Imagine se eu iria recusar algo a ele.
— Desculpe-me. – Ele falou meio confuso ao se levantar. Antes que eu pensasse, agarrei a mão dele o impedindo de sair.
— Não quer mais a caneta? – Deus ele deve estar me achando uma demente, também não fiz outra coisa a não ser ficar babando até agora.
— Agradeço muitíssimo.
Ele é lindo, mas fala esquisito.
Coloquei as folhas por entre os meus dentes pra que não ficassem ainda mais amassadas do que já estavam e enfiei a mão por entre o zíper parcialmente aberto da mochila. Com certeza ia encontrar alguma solta ali dentro.
— Aqui está! – Estendi três canetas pra ele. Uma Bic cristal preta, outra azul e uma outra cor-de-rosa cheira de figurinhas da Hello Kitty, que por acaso também tem a tinta azul. Ele pegou a preta me brindando com outro irresistível sorriso.
Respirei fundo ao jogar as outras canetas na mochila novamente, ia ser difícil voltar ao bendito questionário, quando tudo o que eu mais queria era ficar olhando pra aquele estranho que por uma sorte divina estava sentado ao meu lado – em silêncio.
— Muitíssimo obrigado.
O Deus grego me sorria? Espere! Como ele já terminou? Eu mal respondi, sei lá, três perguntas, e ele já terminou?
— Já terminou de responder tudo? – Ele riu. Jesus, ele fica ainda mais lindo rindo.
— Praticamente já havia terminado quando a minha caneta esvaneceu.
— Esvaneceu? – Acho que eu falei algo engraçado, porque ele riu novamente.
— Acabou a tinta.
— Devia sorrir sempre.
— Devia? – Ele levantou uma sobrancelha, o seu olhar inquiria para que eu explicasse e ao mesmo tempo havia um fogo e um mistério tão profundo que incendiava seus olhos escuros. O seu olhar estava devastando os meus sentidos como nunca havia sido feito. As minhas mãos ficaram congeladas e pingava suor, ao mesmo tempo o meu coração batia mais rápido que a asa de um beija-flor a minha pele estava completamente arrepiada. Até respirar estava difícil, tenho medo de fazer isso muito forte e ele desaparecer, e eu acabar por descobrir que a minha imaginação saiu completamente fora do controle. Ele estava causando sensações contraditórias em mim. Ao mesmo tempo em que eu estava derretendo eu estava assustada.
Eu definitivamente estou fora de controle. Precisava falar algo antes que eu fizesse a besteira de agarrar ele no meio da metade do colégio e acabar sendo acusada de assédio. Será que existe assédio entre alunos? Eu não me importaria de ser assediada por ele.
— Hum, você é novo aqui, não? Não me lembro de ter te visto antes. – Com certeza eu me lembraria de alguém como ele. Sim definitivamente eu me lembraria. Ele é do tipo irresistível, e o seu rosto é marcado com ferro quente diretamente dentro do cérebro. Definitivamente, impossível de esquecer.
Ai Jesus, ele está sorrindo novamente. Até as covinhas dele sorriem. Se eu fosse um sorvete estaria completamente derretida agora. O garoto é quente! Deus que eu não esteja babando. Por favor, por favor.
— Meu primeiro dia!
— Chato né! Não estresse, metade da escola está nesta sala hoje, o bom é que você conhece um monte de gente logo de cara. – Eu devo ser uma tonta mesmo, não paro de sorrir e pra completar o estou monopolizando completamente.
A porta se abriu e eu vi a Susan entrar.
— Desculpe às vezes eu não paro de falar.
Ele fez aquele olhar de ela-é-maluca, assentiu com a cabeça e se levantou a sala continuava cheia, mas a cadeira ao meu lado permaneceu vazia.
Sou a estranha da vez. Com um suspiro voltei minha atenção pro formulário em meu colo, e não para o que estavam fazendo comigo, é praticamente impossível. Ser estranha em uma escola com mais de mil alunos é o mesmo que ser jogada em plena Times Square usando biquíni durante uma nevasca, todos te olham, mas ninguém se aproxima.
— Merda! – Agora eu sou um pária, estava com vontade de distribuir socos e pontapés, só que... do que isso adiantaria? Nada a não ser piorar ainda mais e posso até acabar com uma bela detenção ou então suspensão por brigar no primeiro dia de aula, é ainda pior porque vou ter de enfrentar o olhar reprovador dos meus pais na sala da diretoria. Levar um longo e construtivo sermão sobre o olhar de espere-pra-ver-o-que-te-espera-em-casa dos meus pais.
Deus a minha vida definitivamente não tinha como piorar.
— Juro Lauren, os pais do Julian tem uma casa de campo do tipo Donald Trump.
A voz da Suzy me alcançou do outro lado da sala.
— Ai-i-i amiga-a-a-a-a-a. – Ela fez questão de frisar todos os “as”. - To com inveja, os pais do Roy não são nem de perto tão ricos.
Fechei os meus ouvidos pra tanta asneira. A minha melhor-amiga-desde-sempre tinha virado uma interesseira e eu ainda tinha pelo menos um milhão de perguntas pra responder nesse maldito questionário de admissão pra escola, o que por sinal já estava se tornando uma tradição. No ano anterior tinha sido a mesma coisa. Às vezes somos aprisionados no meio dos padrões que a vida nos brinda.
— Argh! –Volte ao questionário Kyra, você não é boa em filosofia.
Após um zilhão de “sim” e “não” dessas perguntas estúpidas que levei uns quarenta minutos pra responder eu finalmente posso endireitar a coluna e ir assistir a minha aula, claro que antes tinha de pagar o maior gorila ao ser escoltada pelo corredor vazio até a sala de aula, que por sinal já havia começado.
Que maravilha, primeiro dia de aula, fico ferrada com o negócio da matrícula por causa de um estúpido programa ferrado, tenho de responder tipo uns cem zilhões de perguntas, sou escoltada por uma tia com cara de poucos amigos e a minha primeira aula é com a Senhora Ferro (a verdade é que o nome dela é Ferrandt, mas ela só sabe ferrar todo mundo, já imaginou o porquê do apelido não é?), fantástica maneira de começar o ano.
— Está atrasada Senhorita Thompson!
Ela fez questão de falar bem alto pra que todo mundo escutasse ela ler aquele cartão ridículo que me fizeram apresentar a ela.
— Grande.
— O que disse?
Merda, a jararaca escutou.
— O software novo da escola ferrou com a minha matrícula, eu estava na secretária, ela pode confirmar tudo. – Apontei pra mulher-com-cara-de-limão-azedo, as duas parecem estar travando uma conversa mental e pelo visto estão se entendendo, brr as duas parecem mesmo dois ETs, só falta se teletransportarem pra nave mãe, o que pessoalmente eu vou achar ótimo, isso vai ser a única coisa boa do dia.
— Sente-se Senhorita Thompson, penso que já atrapalhou o suficiente da minha aula pelo resto do ano.
Maravilha levei um chamão na frente de todo mundo, ops o gatinho da secretária está sentadinho e vai fazer a mesma aula que euzinha. Uau, o meu dia acaba de melhorar. Melhor seria se a carteira ao lado estivesse vazia e ele jurasse amor eterno por mim.
Acorda Kyra! Fui pro fundo da sala no canto.
Perfeito! Não enxergo nada porque tem um gigante na minha frente. Esse ano promete.
A Senhora Ferro continuou a falar de gramática, do uso correto da crase ou algo-do-genero. Detesto essa aula e muito mais a professora, e piora ainda mais porque é a revisão da matéria do ano passado, tipo melhores momentos. É eu mereço. Uff.
Legal a Olivia Richards está praticamente sentada no colo do gatinho da secretária, ela e praticamente metade da sala.
Confesso, estou roxa de ciúmes, se pelo menos ele não tivesse sorrido pra algo que a chata da Olivia falou. Justiça seja feita, eu tentei o mesmo. Encare a verdade Kyra, ele está fadado a se deixar enrolar por uma das populares, quem sabe ele não fica com a Susan, isso se ele for mais rico que o Julian-sei-lá-o-que-que-tem-um-casa-de-campo-igual-a-do-Donald-Trump.
Queria tanto a minha amiga de volta, iríamos rir muito do comportamento da Olivia e companhia.
Encare os fatos Kyra, caso consiga sobreviver a este ano, então nada nem ninguém vai conseguir te fazer mal.
Dei um suspiro e olhei discretamente pra trás o garoto novo estava me olhando sério, a sua testa perfeita estava franzida, ele parecia incomodado e eu me perguntei o que seria, dei um sorriso amarelo pra ele e voltei a minha atenção pra montanha à minha frente vestido com a camiseta do Boston Celtic’s. O repreendi mentalmente, qualquer um no planeta sabe que o New York Knics é o time! Mesmo não tendo visto nenhum jogo da CNA da última temporada, a ESPN de casa foi cancelada no ano passado depois que eu discuti com o Chris e também deixei de ir na casa do Bruce, a irmã dele sempre fica aprontando.
Comecei a rabiscar no meu caderno.