segunda-feira, 10 de outubro de 2011

compartilhar...

decidi compartilhar meus escritos....
vou tentar postar todos os dias um novo capitulo (se eu nao esquecer)...
nem vou pedir pra enviarem msg me dizendo se estão gostando da história pq seria perda de tempo... provavelmente quem ler não se dará ao trabalho de enviar algumas linhas dizendo algo construtivo, então não vou pedir nada...
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BRANCO
Por Elisa Borges





  

Prólogo



Meu nome é Kyra Thompson e ao contrário do que a primeira vista a minha história possa causar, tenho de dizer que eu não me considero uma pessoa derrotada, cordata, aliás, nunca o fui. O que me move a fazer algo tão extremista assim é apenas o meu desespero por liberdade. No momento o meu “hall” de opções está seriamente comprometido. Estou lutando contra o destino, contra todas as apostas. Sim estou fugindo, mas será que você também não o faria se estivesse em meu lugar? Será que não estaria tão absurdamente desesperada também se soubesse que você é apenas uma coisa a ser caçada por um monstro cínico, frio e cruel? Essa é a minha sina! E tudo por que acabei no lugar errado e principalmente na hora errada?
O lugar; Austral, pequena cidade portuária, cortada pelo rio Branco, encravada no meio das montanhas Vermelhas. População 53.803 pessoas e caindo, graças ao expressivo número de mortes não explicadas. Claro que não explicadas para a polícia e imprensa que fazia plantão em frente da delegacia. Éramos notícia até mesmo em outras cidades, só que eu sabia quem era o responsável por aquilo, claro que não naquela época, mas o sei agora.
A pessoa mais terrível, capaz dos atos mais atrozes que já existiu. Isso se puder chamá-lo de uma pessoa. Ele é implacável, um caçador frio e cruel. Cedric cuja beleza é mortal para quem cruza o seu caminho. Cedric capaz de fazer uma lenda tornar-se realidade. Cedric o vampiro.
A hora errada, duas semanas atrás. Sem querer eu descobri o seu terrível segredo, infelizmente tenho hábitos deveras solitários, gosto de caminhar às vezes pra pensar por entre o bosque que circunda a cidade, normalmente são os meus únicos momentos de paz do dia. Em um desses passeios o vi conversando com um andarilho, a beleza dele era surreal, só de olhá-lo eu perdia o fôlego. Sempre me perguntei como era possível ele ser tão bonito e tão indiferente a essa beleza. Não ouvi o que ele conversava com o homem, naquele momento me perguntava como ele tinha coragem de falar com ele, o homem estava vestindo roupas sujas e rasgadas, estava descalço, até que ambos entraram no bosque às margens da rodovia, segui-os. A minha curiosidade sempre foi o meu maior defeito, e também eu não ia perder a oportunidade de olhar pra ele: o objeto da minha obsessão. Com o coração aos pulos os segui com certa distância, não os escutava, mas os via por entre as árvores, então vi algo que me enojou profundamente, aquele homem sujo estava tocando nele. Ele passava a mão suja pelo seu rosto perfeito, e ele sorria. Aquilo me embrulhou o estômago, claro que depois disso eu deveria ter ido embora, mas eu fiquei... O meu maior erro! Os dois conversavam, ele se aproximou e parecia que ia beijar aquele homem asqueroso. Aquilo eu não tinha estomago pra ver, virei o rosto tentando decidir o que fazer, quando olhei de novo o homem se debatia, como que tentando se soltar, não entendi muito bem o que estava acontecendo, até vê-lo soltar o corpo sem vida do homem no chão. A sua boca perfeita estava manchada de vermelho, algo dentro de mim sabia que aquela mancha era sangue. Sufoquei o grito que ameaçava querer sair da minha boca. Se aquele homem estava realmente morto, eu era o que? Uma testemunha? Naquele instante vi que eu estava seriamente enrolada. Respirei lentamente tentando me acalmar, quando olhei de novo o Cedric havia sumido, não o via em nenhum lugar. Esperei ainda uns minutos, só por precaução, como ele não voltou fui ver o corpo caído. Maldita curiosidade. O homem estava realmente morto, de seu olhar vidrado eu via o pavor que ele havia sentido – que eu estou sentido. Em meio à sujeira da pele e o sangue misturado com as folhas havia uma ferida enorme em seu pescoço, sua garganta completamente estraçalhada. Meu estômago começou a querer expulsar o almoço, não podia mais olhar pra aquilo, saí correndo, meio sem direção através do bosque. Precisava me afastar, pegar o meu carro na rodovia e fugir o mais rápido possível, antes que fosse descoberta.
Cedric me esperava encostado em uma árvore, ele sabia que eu o estava observando, ele sempre soube. Foi então que a minha vida passou a valer nada.


Vou lhes contar como tudo aconteceu...



Capitulo 1



Tragicamente é o primeiro dia de aula. Odeio a primeira semana, ainda mais o fatídico primeiro dia de aula. É frustrante e ridículo ter de se encaixar em grupos que você não sabe se terá afinidade algum dia. Pior ainda é ter de se obrigar a forçar uma amizade com pessoas que você terá de tolerar por muito tempo.
Eu verdadeiramente odeio o primeiro dia de aula.
O destino podia ter sido generoso comigo e ter me dado uma bela gripe essa manhã. O que adiantou ficar na chuva ontem e ainda tomar um monte de sorvete se hoje estou perfeitamente capaz de ir ao meu fuzilamento no primeiro dia de aula.
Eu devia ter prestado mais atenção nas aulas de saúde no ano passado, quem sabe eu não podia fingir ter alguma doença agora. Cobri o rosto querendo que o tempo desse um salto e me livrasse do martírio.
Escorreguei do sofá caindo no chão. — É eu durmo no sofá. Uma daquelas ironias da vida. Moro em uma casa com cinco quartos, tenho três irmãos e durmo na sala. Meus pais vivem brigando então eles dormem em quartos separados, os meus irmãos, bom, eles não querem saber de dividir o espaço comigo, então acabei na sala, é isso ou o sótão. Eu bem que tentei colocar uma cama lá, mas o teto é tão baixo que eu teria de tirar as telhas pra me deitar no colchão e dormir no quintal está fora de cogitação. O único problema de dormir no sofá é que com isso eu acabo dormindo pouco, porque sempre tem um da minha família que quer ficar até tarde vendo algum programa estúpido, e o pior fica empoleirado no sofá me impedindo de dormir.
— Ai, droga. Comecei bem o dia.
Pela cortina rendada a claridade do sol mostrava a sua cara. Era uma luz suave, cremosa e quente. O dia parecia perfeito, então isso provavelmente quer dizer que logo, logo irá começar os problemas...
Me arrastei do chão até a cozinha. Todos ainda dormiam. Hora de preparar o almoço pra escola.
Dormir no sofá não é nada, o pior mesmo é ter de ir a pé todos os dias pra escola, a minha adorável mãe nunca se lembra de pagar o ônibus, dinheiro pro almoço então... A minha sorte é que eu sempre acordo primeiro ou não ia levar nada de almoço nunca. Algo interessante sobre meus irmãos é que se eles percebem que você está com fome é aí que eles “devoram” tudo o que está na mesa mesmo, se brincar são capazes de comer até a mesa.


Meus pés faziam spreesh, spreesh no caminho coberto de brita que me levava para frente do colégio.
— Primeiro dia de aula. Primeiro dia de aula. Você pode superar isso é só ir em frente. Não existe nada de pior do que isso. Vou sobreviver, vou sobreviver. Só preciso achar algum conhecido e rir de tudo isso. – Eu ia resmungando como um mantra.
Um grupo de garotos passou correndo em direção ao estacionamento, excitadíssimos. Será que alguém apareceu com um carro cor-de-rosa? Curiosa olhei pra trás e caí na risada. As “VIP'S” do colégio, também conhecidas como “AS DIVAS” chegaram de limusine. Devem ter pagado uma nota, pelo que eu saiba não existem limusines em Austral. Nessa cidade não tem nada.
— Patético!  Continuei a andar em direção a entrada. Via as ondas de alunos se acotovelando em frente aos painéis dos avisos com o informe colados em forma de milhares de folhas. Algum computador idiota determinou quem vai ser meus colegas esse ano.
Mudei a mochila de ombro, a minha bota deixava o meu caminhar mais lento, era quase como se eu estivesse andando sobre a areia fofa da praia  quase; a realidade impedia qualquer ilusão.
A frente do colégio estava tomada.
— Vai ser difícil achar algum conhecido. É bom se enturmar Kyra ou vai ser complicada a sua passagem pelo ensino médio. – Murmurei suspirando. Ficar parada não vai adiantar nada mesmo. Se já não bastasse eu estar me sentindo como um alienígena. Isso é um mau sinal, principalmente no primeiro dia de aula.
Até que não foi difícil atravessar os vinte metros que me separa da escada até as listas. Só precisei de uns quinhentos com licença, uns trezentos desculpe e uns cinqüenta sai da frente. É foi bem fácil.

Olhei três vezes a lista interminável de alunos da Escola Municipal Tereza Sain't Austral. – É não sei o que tinham na cabeça quando escolheram esse nome.
— Finalmente uma alma conhecida. Ao me virar vi minha mais fiel amiga se aproximar.
— Hey Suzy! – Acenei veemente pra ela. Ela ficou roxa e virou o rosto. Olhei pros lados preocupada.
— Uê o que eu fiz de errado? Como ela vinha em minha direção aguardei. Seja o que for, íamos rir muito depois, sempre fazemos isso.
— Não! Ele não fez isso.
A Suzy está de papo com a Lauren? Isso é novidade.
— Juro Lauren, o Julian apareceu de limusine no meu hotel. Foi tão romântico.  A Susan virou os olhos. Sorri ao ver os olhos da minha amiga brilhando. Seja-lá-quem-for-esse-Julian eu tinha certeza absoluta de que esse episódio a derreteu completamente, ela sempre foi fã de Uma Linda Mulher mesmo.
Ela estava diferente, ok, ok, ela não precisava exagerar e usar quinhentos quilos de maquiagem e poderia usar uma saia que tampasse pelo menos a bunda dela. Mas, sou obrigada a reconhecer que a minha amiga está bonita. Se ficar apaixonada deixava as pessoas mais bonitas então eu precisava desesperadamente disso. Se bem que ela acabar como amiga da Lauren era estranho. A garota sempre foi uma esnobe. Suzy era a primeira a falar disso e agora as duas conversavam como se fossem amigas a vida inteira.
Esperei que ela se aproximasse mais, se bem que eu podia vê-las perfeitamente daqui. Parece que a viagem a praia da Suzy foi realmente excitante, pela quantidade de gestos e suspiros proferidos por ela. Eu sorri. Essa era a Suzy, sempre dramática, com certeza eu ia escutar durante muito tempo sobre isso. Não havia percebido o quanto havia sentido falta disso.
— Oi Suzy. – A cumprimentei animada.
— Deveríamos marcar de sair os quatro juntos, vai ser divertido. – Laurie era a própria empolgação em pessoa.
— Vai ser ótimo, vou ligar pro Julian. – A Suzy se voltou para o celular novo dela.
Eu fiquei olhando as duas passarem por mim como se eu fosse invisível. A Suzy sequer me olhou, continuou a conversar com a sua “nova” amiga e se contorceu toda pra ao passar por mim e dar as costas enquanto tirava o celular da bolsa. É realmente as férias a havia mudado. Até a alguns meses atrás ela sequer cogitava a idéia de ter um celular e agora exibia um último-tipo-fashion-todo-cintilante.
— Aquela não é a sua amiga? – Laurie não ia deixar essa passar. Claro que ela não teria falado nada se eu não estivesse parado no meio do corredor olhando as duas se afastar, o que é pior de boca aberta. Comecei bem o ano.
— Quem? – A Suzy olhou pra trás procurando indiferente sem desgrudar do seu novo celular-último-tipo-fashion-todo-cintilante da orelha.
— A aberração estranha.
Por mais que ela tenha tentado falar baixo, foi alto o suficiente até pra que eu escutasse. Eu e boa parte do colégio, que olhou procurando quem seria o próximo “bicho raro” a ser perseguido naquele ano.
Meleca.
— Não conheço. Ai ele atendeu... Oi amor...
Nesse exato instante estou me sentindo como Cristo ao ser negado por Pedro. A decepção dói e dói muito.
Voltei pras listas com os nomes, as palavras da Suzy dispersava a minha atenção. Precisei olhar umas cinco vezes pra entender que o meu nome não constava na relação.
— Mais essa agora.
A boa notícia era que havia muitos na mesma situação que eu. Nada como marcar o primeiro dia de aula com uma passadinha na secretaria pra já começar com o pé direito. Discutindo sobre o porquê do meu nome não constar na relação de alunos.

— Preencham os formulários de admissão e em seguida o horário. Devem voltar na semana que vem pra ajustarem o horário. – A secretária Helga Sampaio em vias de se aposentar devido à infinidade de cabelos brancos dela mal disfarçados pela tintura distribuía vários formulários a quem entrasse na já abarrotada secretária. O espaço que não era tão pequeno estava completamente tomado por estudantes com cara de poucos amigos. Quem não estaria em nosso lugar? Fui pro fundo da sala onde as poucas cadeiras existentes eram disputadas quase aos tapas. Tive sorte, uma garota se levantou assim que eu me aproximei. É uma lástima as cadeiras serem simples sem aqueles braços, ia ser bem útil agora. Espero não terminar com a folha toda furada por estar apoiando na mochila pra escrever.
— Beleza vai levar o resto do dia pra terminar isso.
Sem outra opção, comecei pela ficha de admissão que por acaso já havia preenchido antes quando confirmei a minha matricula. Só quatro folhas entupidas de perguntas. Só não perguntaram qual é a marca do meu creme dental, por que o resto com certeza eles devastaram a minha vida.
Com o horário das aulas não foi diferente. Milhões de códigos diferentes para a mesma matéria e todos no mesmo horário. Quando eu fechava um dia no outro bagunçava tudo.
— Porcaria! – Apaguei pela quinta vez a minha tentativa de fazer o meu horário, se continuasse assim iria precisar do resto do semestre pra terminar.
— Perdoe-me o inconveniente de estar lhe interrompendo, todavia poderia emprestar-me uma caneta, a minha creio que a tinta esvaneceu.
A voz grave me distraiu, ao ponto de eu levantar a cabeça pra que eu visse o rosto de quem pertencia essa voz que fala de um modo tão estranho.
— Como é? – Jesus-Maria-José! Por Deus Kyra, fecha a boca e não babe! Deus meu. De onde saiu esse? Ele lembra aqueles deuses que estudei na aula de história, de onde eles eram mesmo? Olímpia? Olympus, Olimpo é isso. Quem será que abriu o portão de lá e deixou essa gracinha vir passar uma temporada no colégio secundário em Austral? Com toda a certeza ele é novo, uma novidade dessa não passa despercebida. O garoto é simplesmente fe-no-me-nal. Caraca, como pode alguém ser tão bonito assim? Seus olhos escuros parecem hipnotizar, não consigo parar de olhar. Por Deus que eu não esteja babando, não quero pagar esse gorila. De que cor será que seus olhos são? Não dá pra saber.
— Caneta. Teria a senhorita uma caneta pra me emprestar?
Este ser incrível me olhava, sério. Bom acho que não totalmente, mas eu posso jurar que seus olhos estão sorrindo zombeteiros, divertidos como se soubesse da confusão em meu cérebro. Agora tenho a certeza de que ele sabe perfeitamente o impacto que causa nas pessoas.
O que foi que ele perguntou mesmo? Nunca em toda a minha vida isso me aconteceu, eu ficar tão impressionada com alguém a ponto de perder a fala/raciocínio/ação, – você me entendeu.
O estranho levantou a sobrancelha aguardando o meu cérebro de minhoca que deve ter virado gelatina, por que a minha vontade era a de passar a mão pelo cabelo brilhante dele só pra sentir se é tão macio quanto aparentava. É frustrante isso. Todo mundo tem um cabelo brilhante e perfeito, devo ser a única no mundo que possui o cabelo opaco, murcho e sem vida. O rosto dele é simplesmente perfeito, lembra aquelas fotos das revistas onde aparece algum modelo incrível fazendo propaganda de perfume, se aqui fosse Hollywood ele com certeza seria um ator famoso.
É preciso uma força sobre humana pra impedir que o meu braço levantasse e eu deslizasse os meus dedos pelas linhas perfeitas de seu rosto, que eu afundasse esses mesmos dedos por seu cabelo grosso, que eu acariciasse seus lábios voluptuosos.
Respirei fundo três vezes tentando não parecer com uma descontrolada que sai agarrando o primeiro garoto bonito, ou melhor, lindo que vê pela frente.
O estranho deu um profundo suspiro, estamos tão próximos um do outro que o ar expelido por ele bate direto em meu rosto. O seu hálito fresco e doce, o cheiro delicioso dele, algo como uma mistura exótica de couro. Uma garota pode ficar tonta com um cheiro desse, eu com certeza estava.
Hum, ele está sorrindo, é com certeza é muito fácil perder o fôlego diante de um sorriso desses. O que ele havia me perguntado mesmo? Tentei me lembrar, mas tudo o que consegui foi continuar a olhar pra ele.
— Com isso devo entender que não irá me emprestar à caneta?
Caneta? Que caneta?
Ops, então era por isso que ele estava me olhando.
— Claro. – Imagine se eu iria recusar algo a ele.
— Desculpe-me. – Ele falou meio confuso ao se levantar. Antes que eu pensasse, agarrei a mão dele o impedindo de sair.
— Não quer mais a caneta? – Deus ele deve estar me achando uma demente, também não fiz outra coisa a não ser ficar babando até agora.
— Agradeço muitíssimo.
Ele é lindo, mas fala esquisito.
Coloquei as folhas por entre os meus dentes pra que não ficassem ainda mais amassadas do que já estavam e enfiei a mão por entre o zíper parcialmente aberto da mochila. Com certeza ia encontrar alguma solta ali dentro.
— Aqui está! – Estendi três canetas pra ele. Uma Bic cristal preta, outra azul e uma outra cor-de-rosa cheira de figurinhas da Hello Kitty, que por acaso também tem a tinta azul. Ele pegou a preta me brindando com outro irresistível sorriso.
Respirei fundo ao jogar as outras canetas na mochila novamente, ia ser difícil voltar ao bendito questionário, quando tudo o que eu mais queria era ficar olhando pra aquele estranho que por uma sorte divina estava sentado ao meu lado – em silêncio.
— Muitíssimo obrigado.
O Deus grego me sorria? Espere! Como ele já terminou? Eu mal respondi, sei lá, três perguntas, e ele já terminou?
— Já terminou de responder tudo? – Ele riu. Jesus, ele fica ainda mais lindo rindo.
— Praticamente já havia terminado quando a minha caneta esvaneceu.
— Esvaneceu? – Acho que eu falei algo engraçado, porque ele riu novamente.
— Acabou a tinta.
— Devia sorrir sempre.
— Devia? – Ele levantou uma sobrancelha, o seu olhar inquiria para que eu explicasse e ao mesmo tempo havia um fogo e um mistério tão profundo que incendiava seus olhos escuros. O seu olhar estava devastando os meus sentidos como nunca havia sido feito. As minhas mãos ficaram congeladas e pingava suor, ao mesmo tempo o meu coração batia mais rápido que a asa de um beija-flor a minha pele estava completamente arrepiada. Até respirar estava difícil, tenho medo de fazer isso muito forte e ele desaparecer, e eu acabar por descobrir que a minha imaginação saiu completamente fora do controle. Ele estava causando sensações contraditórias em mim. Ao mesmo tempo em que eu estava derretendo eu estava assustada.
Eu definitivamente estou fora de controle. Precisava falar algo antes que eu fizesse a besteira de agarrar ele no meio da metade do colégio e acabar sendo acusada de assédio. Será que existe assédio entre alunos? Eu não me importaria de ser assediada por ele.
— Hum, você é novo aqui, não? Não me lembro de ter te visto antes. – Com certeza eu me lembraria de alguém como ele. Sim definitivamente eu me lembraria. Ele é do tipo irresistível, e o seu rosto é marcado com ferro quente diretamente dentro do cérebro. Definitivamente, impossível de esquecer.
Ai Jesus, ele está sorrindo novamente. Até as covinhas dele sorriem. Se eu fosse um sorvete estaria completamente derretida agora. O garoto é quente! Deus que eu não esteja babando. Por favor, por favor.
— Meu primeiro dia!
— Chato né! Não estresse, metade da escola está nesta sala hoje, o bom é que você conhece um monte de gente logo de cara. – Eu devo ser uma tonta mesmo, não paro de sorrir e pra completar o estou monopolizando completamente.
A porta se abriu e eu vi a Susan entrar.
— Desculpe às vezes eu não paro de falar.
Ele fez aquele olhar de ela-é-maluca, assentiu com a cabeça e se levantou a sala continuava cheia, mas a cadeira ao meu lado permaneceu vazia.
Sou a estranha da vez. Com um suspiro voltei minha atenção pro formulário em meu colo, e não para o que estavam fazendo comigo, é praticamente impossível. Ser estranha em uma escola com mais de mil alunos é o mesmo que ser jogada em plena Times Square usando biquíni durante uma nevasca, todos te olham, mas ninguém se aproxima.
— Merda! – Agora eu sou um pária, estava com vontade de distribuir socos e pontapés, só que... do que isso adiantaria? Nada a não ser piorar ainda mais e posso até acabar com uma bela detenção ou então suspensão por brigar no primeiro dia de aula, é ainda pior porque vou ter de enfrentar o olhar reprovador dos meus pais na sala da diretoria. Levar um longo e construtivo sermão sobre o olhar de espere-pra-ver-o-que-te-espera-em-casa dos meus pais.
Deus a minha vida definitivamente não tinha como piorar.
— Juro Lauren, os pais do Julian tem uma casa de campo do tipo Donald Trump.
A voz da Suzy me alcançou do outro lado da sala.
— Ai-i-i amiga-a-a-a-a-a. – Ela fez questão de frisar todos os “as”.  To com inveja, os pais do Roy não são nem de perto tão ricos.
Fechei os meus ouvidos pra tanta asneira. A minha melhor-amiga-desde-sempre tinha virado uma interesseira e eu ainda tinha pelo menos um milhão de perguntas pra responder nesse maldito questionário de admissão pra escola, o que por sinal já estava se tornando uma tradição. No ano anterior tinha sido a mesma coisa. Às vezes somos aprisionados no meio dos padrões que a vida nos brinda.
— Argh! –Volte ao questionário Kyra, você não é boa em filosofia.
Após um zilhão de “sim” e “não” dessas perguntas estúpidas que levei uns quarenta minutos pra responder eu finalmente posso endireitar a coluna e ir assistir a minha aula, claro que antes tinha de pagar o maior gorila ao ser escoltada pelo corredor vazio até a sala de aula, que por sinal já havia começado.
Que maravilha, primeiro dia de aula, fico ferrada com o negócio da matrícula por causa de um estúpido programa ferrado, tenho de responder tipo uns cem zilhões de perguntas, sou escoltada por uma tia com cara de poucos amigos e a minha primeira aula é com a Senhora Ferro (a verdade é que o nome dela é Ferrandt, mas ela só sabe ferrar todo mundo, já imaginou o porquê do apelido não é?), fantástica maneira de começar o ano.
— Está atrasada Senhorita Thompson!
Ela fez questão de falar bem alto pra que todo mundo escutasse ela ler aquele cartão ridículo que me fizeram apresentar a ela.
— Grande.
— O que disse?
Merda, a jararaca escutou.
— O software novo da escola ferrou com a minha matrícula, eu estava na secretária, ela pode confirmar tudo. – Apontei pra mulher-com-cara-de-limão-azedo, as duas parecem estar travando uma conversa mental e pelo visto estão se entendendo, brr as duas parecem mesmo dois ETs, só falta se teletransportarem pra nave mãe, o que pessoalmente eu vou achar ótimo, isso vai ser a única coisa boa do dia.
— Sente-se Senhorita Thompson, penso que já atrapalhou o suficiente da minha aula pelo resto do ano.
Maravilha levei um chamão na frente de todo mundo, ops o gatinho da secretária está sentadinho e vai fazer a mesma aula que euzinha. Uau, o meu dia acaba de melhorar. Melhor seria se a carteira ao lado estivesse vazia e ele jurasse amor eterno por mim.
Acorda Kyra! Fui pro fundo da sala no canto.
Perfeito! Não enxergo nada porque tem um gigante na minha frente. Esse ano promete.
A Senhora Ferro continuou a falar de gramática, do uso correto da crase ou algo-do-genero. Detesto essa aula e muito mais a professora, e piora ainda mais porque é a revisão da matéria do ano passado, tipo melhores momentos. É eu mereço. Uff.
Legal a Olivia Richards está praticamente sentada no colo do gatinho da secretária, ela e praticamente metade da sala.
Confesso, estou roxa de ciúmes, se pelo menos ele não tivesse sorrido pra algo que a chata da Olivia falou. Justiça seja feita, eu tentei o mesmo. Encare a verdade Kyra, ele está fadado a se deixar enrolar por uma das populares, quem sabe ele não fica com a Susan, isso se ele for mais rico que o Julian-sei-lá-o-que-que-tem-um-casa-de-campo-igual-a-do-Donald-Trump.
Queria tanto a minha amiga de volta, iríamos rir muito do comportamento da Olivia e companhia.
Encare os fatos Kyra, caso consiga sobreviver a este ano, então nada nem ninguém vai conseguir te fazer mal.
Dei um suspiro e olhei discretamente pra trás o garoto novo estava me olhando sério, a sua testa perfeita estava franzida, ele parecia incomodado e eu me perguntei o que seria, dei um sorriso amarelo pra ele e voltei a minha atenção pra montanha à minha frente vestido com a camiseta do Boston Celtic’s. O repreendi mentalmente, qualquer um no planeta sabe que o New York Knics é o time! Mesmo não tendo visto nenhum jogo da CNA da última temporada, a ESPN de casa foi cancelada no ano passado depois que eu discuti com o Chris e também deixei de ir na casa do Bruce, a irmã dele sempre fica aprontando.
Comecei a rabiscar no meu caderno.

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